sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

Ou Deus ou o Dinheiro

O livro de Anton Rotzetter, COM DEUS NOS DIAS DE HOJE, publicado em 2003 pela Editora Vozes e pela FFB (Família Franciscana do Brasil), e que representa o resultado de toda a reflexão da Família Franciscana mundial a partir do Vaticano II, contém uma grande quantidade de assuntos palpitantes. No ano passado já foi divulgada uma mensagem extraída desse livro: 19 – A RIQUEZA DE UM POBRE. Na época eu havia preparado mais outras mensagens do mesmo livro, que passo a transmitir agora - C.A.

Carlos Almeida Pereira, Campina Grande/Pb

36. Ou Deus ou o dinheiro

Nos tempos de São Francisco o dinheiro começou a se transfor­mar em uma espécie de superpoder. Não demorou a deixar de lado o Deus da vida. Ou Deus ou o dinheiro - esta era a ques­tão! Francisco e seus seguidores escolheram Deus e rejeitaram radicalmente o dinheiro.
Uma vez alguém colocou dinheiro sobre o altar da Porciún­cula. Um frade entrou na igreja, viu as moedas e foi colocá-las no parapeito de uma janela. Mas um outro pegou-as ali e foi levá-las a Francisco. Então Francisco quis saber quem havia colocado aquele dinheiro no parapeito da janela. Perguntou ao frade que o fizera: "Por que fizeste isso? Não sabias que eu não só não quero que os frades usem dinheiro, mas que nem mesmo toquem nele?" Ouvindo isso, o frade abaixou a cabeça, pôs-se de joelhos, confessou a sua culpa e pediu que lhe impusesse a penitência. O santo deu-lhe por penitência que levasse aquelas moedas para fora da igreja com a boca e fosse jogá-las em cima de um esterco de burro. Ele precisava experimentar com todos os seus sentidos que esterco é esterco (segundo Anônimo Perusino 30).
Nos dias de hoje, quando não é possível viver sem dinheiro, uma história como esta pode deparar-se com total in­compreensão. Mas ela mostra com clareza o pensamento de nosso Pai São Francisco em relação ao dinheiro, que deveria cuidar do homem, satisfazer suas necessidades básicas, garantir prosperidade e bem-estar para todos. No capitalismo, entretanto, trata-se de fato de acumular dinheiro.
Hoje o dinheiro se acumula em quan­tidades incalculáveis em mãos de pessoas individuais. Quanto pode ser insensata a acumulação de dinheiro, pode-se perceber sobretudo no esporte. O jogador de basquete Shaquille O'Neil ganha, por contrato, 127 milhões de dólares em sete anos. O presidente dos Estados Unidos, que certamente não é uma pessoa necessitada, teria que permanecer no posto por 600 anos para ganhar tanto quanto S. O'Neil em sete anos. Um americano com o salário mínimo legal de 5,15 dólares a hora deveria tra­balhar durante 10.735 anos para ganhar o mesmo. O'Neil ga­nha 4.500 dólares por minuto ou 350.000 dólares por semana O que se observa nesse único exemplo faz parte da essência do capitalismo.
Os mais importantes promotores do capitalismo são os gran­des grupos internacionais. Também o "Fundo Monetário Inter­nacional" e o "Banco Mundial" são hoje instituições que promovem o capitalismo, apesar de terem sido fundados origi­nalmente para fazer com que os países pobres participassem da riqueza dos ricos. O que ocorre hoje é exatamente o contrário: eles são instrumentos de exploração. Pelos empréstimos aos países pobres, os países do Terceiro Mundo tiveram que pagar juros tão altos que ultrapassam muitas vezes o valor dos créditos. Além disso, os países po­bres só têm acesso a estes créditos quando aceitam o programa eco­nômico neoliberal: privatização das empresas estatais, abertura total do mercado. Eles têm que acomodar-se às flutuações do fluxo internacional do dinheiro. Em última análise trata-se, portanto, de adequar as economias nacionais às normas gerais do mercado internacional. Dessa forma a economia vai se subtrain­do cada vez mais à intervenção reguladora do estado. É bem verdade que nas mencionadas instituições já se levantam hoje também vozes críticas.
O antigo presidente de Zâmbia, Kenneth Kaunda, criticou veementemente, em 1996, a políti­ca da dívida do Banco Mundial e das nações industrializadas. Ele chama a crise da dívida de uma tragédia humana. Morrem pessoas, morrem crianças, reina a guerra civil, as estruturas sociais e políticas se arruínam. Muito disso pode ser atribuído à crise da dívida. No livro do Deuteronô­mio se diz: “Se teu irmão fica pobre, de­ves acolhê-lo, mas não exigir juros”. Em 1993, os países africanos pagaram cerca de 350 milhões de dólares a mais ao FMI do que recebe­ram dele. Quer dizer que a África trabalha para seus credores, e não para si própria.
Um papel ainda maior é desempenhado por uma pequena multidão de especuladores inescrupulosos, que tiram imensas quantidades de dinheiro dos países ricos e pobres e dirigem o fluxo de dinheiro de tal forma que ele falte em toda parte onde os estados precisam cumprir suas tarefas. 98,4% de todo o di­nheiro do mundo é empregado para tais fins de especulação (fonte: Banco Intemacional de Compensações, citado por Duchrow). O presidente Jacques Chirac da França chamou estes especula­dores de a "aids da economia mundial".
João Paulo II diz: “O princípio de que as dívidas têm que ser pagas é correto, sem dúvida, Mas não é permitido pretender ou exigir um pagamento que obrigue a tomar medidas que levariam povos inteiros à fome e ao desespero. Não se pode exigir que as dívidas acumuladas sejam pagas com sacrifícios impossíveis de suportar. É necessário encontrar formas de aliviar os pagamentos, ampliar os prazos ou mesmo cancelas as dívidas, que sejam compatíveis com o direito fundamental dos povos por sua manutenção e progresso” (Centesimus Annus 35).
Texto de Anton Rotzetter, Com Deus nos dias de Hoje, p. 277ss.
Tradução e adaptação de Carlos Almeida

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