sábado, 19 de janeiro de 2008

A chance de recomeçar

Quando é retirado um trecho de um livro e colocado fora do seu contexto, corre-se o risco de não ser bem entendido. É possível que para um ou outro tenha ocorrido algo assim com a mensagem anterior (“Fracasso no Casamento”). A intenção do autor Anselm Grün é mostrar que todo fracasso (não só o do casamento!) abre novas oportunidades de vida, desde que se saiba como enfrentá-lo. Por isso estou enviando aqui esta outra mensagem, tirada do mesmo livro, que está para a anterior como a figura de uma medalha para o reverso da mesma medalha.



35. A Chance de Recomeçar

A principal condição para que a partir do fracasso eu possa descobrir um novo caminho para minha vida é aceitar o fracasso sem restrições. A primeira coisa a fazer é admitir perante mim mesmo que fiz uma idéia da vida diferente do que ela é na realidade, que meu sonho de vida se dissipou. Aceitar isso dói. Preciso suportar a dor pela perda das minhas ilusões. Muitos tentam fugir a esta dor apontando as muitas razões por que teve de ser assim. Mas, quando alguém sente necessidade de apresentar muitas razões, é porque não tem razão alguma. Está procurando justificar-se. Aceitar o meu passado significa que eu abandono todas as justificativas. Que olho o passado assim como ele foi. Que admito diante de mim mesmo que desejava o melhor para minha vida, que tinha a esperança de tê-la sob controle. Acreditei em meus ideais. Admitir e aceitar a perda dos ideais é doloroso.
Muitos procuram as razões de seu fracasso nos outros. O culpado é o cônjuge, que evoluiu diferentemente do que eu havia previsto. Os culpados são os colegas de profissão, que me empurraram para a beira do fracasso, arruinaram minha saúde. A culpada é a comunidade religiosa, que tornou-se cada vez mais estreita. Se ela tivesse um pouco mais de agilidade, eu teria podido continuar vivendo lá. É evidente que os outros também têm parte da culpa pelo meu fracasso. Não preciso carregar sobre meus ombros a culpa inteira, isto me deixaria oprimido. Mas preciso renunciar às acusações, tanto aos outros quanto a mim mesmo. Devo simplesmente ver o que ocorreu, confessar que a coisa aconteceu como de fato aconteceu. Tenho que admitir que não pude continuar nesse caminho, que não fui capaz de seguir adiante, quaisquer que tenham sido as razões. Só quando eu permaneço em mim mesmo e no meu fracasso, em vez de voltar-me para os outros, é que meu fracasso pode aos poucos se transformar em uma nova possibilidade de vida.
Mas confessar a própria derrota não é tão fácil assim. É mais fácil lidar com as vitórias do que com as derrotas. Já entre os romanos se dizia: “Vae victis – Ai dos vencidos”. Não há quem goste de ser um perdedor. Não obstante, no fracasso nós temos de confessar que perdemos, que sofremos uma derrota. É necessária muita humildade para descermos aos baixios de nossa própria derrota. Se o edifício de nossa vida ruiu, precisamos cavar através do montão de entulhos para chegarmos ao alicerce sobre o qual a nova casa poderá ser erguida. Com isso descobriremos como no edifício de nossa vida tudo era frágil, e a quantas ilusões nos entregamos. Isto dói. Mas não podemos evitar essa dor, do contrário o reinício não será possível.
Em seus escritos, Teilhard de Chardin sempre de novo ocupou-se com a aceitação do fracasso. O fracasso ocupa um lugar importante em sua visão otimista do mundo, onde ele se ocupa sobretudo com a esperança de penetrar o mundo inteiro com o amor de Cristo, com a “amorização” ou “divinização” do mundo. Faz parte do ser humano não apenas o buscar e o agir ativos, mas também o sofrer. Quem quiser experimentar a plenitude da vida, precisa também aceitar as ruínas e derrotas. Que Deus possa ser percebido em toda vida e por toda vida, parece-nos fácil de compreender. Mas pode Deus ser encontrado também na morte e pela morte? Isto nos deixa confusos.
Teilhard está convencido de que precisamente pelo fracasso nós caímos em Deus, e que o fracasso pode ser o primeiro passo para um reinício. Esta força hostil que o abate e que o decompõe, quando ele a aceita na fé sem que deixe de lutar contra ela, pode transformar-se em um princípio de renovação. Não se trata de uma idealização do fracasso, mas sim de um caminho para aceitarmos o fracasso que nos atinge contra a nossa vontade e o transformarmos em um caminho de renovação.
Fala-se da “graça da estaca zero”. O fracassado não tem mais nada a perder. Não precisa mais tomar falsas precauções. Aquele que aceitou o fracasso pode experimentar um pouco da “graça da estaca zero”. Sente-se livre das opiniões e das expectativas dos outros. Pode recomeçar. Libertou-se dos falsos cuidados, dos cúmplices e dos entrelaces de interesses, e abriu-se para a graça de Deus, que o busca, que procura uma vida não mais orientada pelos outros mas sim pela vontade de Deus. Agora ele pertence unicamente a Deus, e não mais aos homens nem às expectativas humanas. E abre os ouvidos unicamente para Deus, e não mais para as muitas vozes dos homens, que gostariam de tirá-lo da vereda da virtude. Karl Rahner insiste que Deus pode manifestar-se precisamente na ruína, na derrota. Poder-se-ia falar de um sacramento da derrota. A experiência da derrota pode pôr-nos em contato com Deus. Se eu não tenho mais nada em minhas mãos, estou aberto para experimentar Deus, que do nada cria coisas novas, que ressuscita o que está morto, e que faz da derrota o início da vitória.
Texto de Anselm Grün, A Chance de Recomeçar
Tradução de Carlos Almeida

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