segunda-feira, 5 de novembro de 2007

Padrões Éticos para todo o Mundo ?


No livro UMA ÉTICA GLOBAL PARA A POLÍTICA E A ECONOMIA MUNDIAIS [Vozes, 1999, 475 p., R$ 70,80], Hans Küng aborda corajosamente os caminhos trilhados pela humanidade. Existirá uma solução para a política mundial? Poderá o cenário da economia mundial permanecer indefinidamente na marcha e ritmo que segue hoje? A grande proposta é que se caminhe para estabelecer padrões éticos aceitos por todos os povos, nações e religiões – o que concretamente vem sendo proposto pela “Fundação Ethos Mundial” (“Stiftung Weltethos”), aliás presidida pelo próprio Hans Küng. [Na foto: Logotipo da Fundação Ethos Mundial.]

23. Padrões éticos para o mundo todo?

Chegarmos a um entendimento e acordo sobre determinados valores, normas, atitudes, como base para a sociedade mundial, não seria isto uma grande e bela ilusão? Frente à diversidade de nações, culturas e religiões, ser-nos-á lícito sonhar com um consenso ético, e mais, com um consenso ético em di­mensões globais? Mas bem que o argumento poderia ser invertido: Precisamente em vista desta situação aflitiva, um consenso ético básico torna-se indispensável.

São grandes os desafios!

• Observam-se hoje, no mundo inteiro, perigosas tensões entre crentes e não-crentes, entre os que estão ligados a igrejas e os secu­laristas, entre clericais e anticlericais.
• A humanidade se vê ameaçada hoje por um choque de civilizações, por exemplo, entre a civilização muçulmana e a civilização oci­dental. Não tanto a ameaça de uma nova guerra mundial, mas confli­tos entre dois países, ou dentro de um mesmo país, ou até de uma mesma escola.
• Em nosso mundo, as relações entre as religiões são bloqueadas por dogmatismos de toda espécie, presentes em todas as igrejas e religiões, e mesmo nas ideologias modernas.
A tudo isto opomos esta nossa firme convicção: Não haverá sobrevivência da democracia sem uma coalizão de crentes e não-crentes em mútuo respeito! Não haverá paz entre as civilizações sem paz entre as religiões! Não haverá paz entre as religiões sem um diálogo entre as religiões! E não poderá haver uma nova ordem mundial sem um novo etos mundial ou plane­tário, apesar de todas as diferenças dogmáticas.
Que é o Etos Mun­dial? Não se trata de uma nova ideologia em substituição à Torah, ao Alcorão ou ao Ser­mão da Montanha. O etos mundial não visa uma cultura mundial única, nem muito menos uma única religião mundial. Etos mundial é um mínimo indispensável de consenso quanto aos valores, normas e atitudes básicas comuns, que possa ser aceito por todas as religiões, e mesmo pelos não-crentes.
Muitos acham que é impossível um consenso global em questões de consciência ética. Outros, no entanto, se interrogam: Não já existem, nas diferentes nações, culturas e religiões, algo como padrões éticos universais? Desde já é ne­cessário que se evite um mal-entendido: Tão grandes são as diferenças de nações, culturas, religiões e formas de vida, que não se pode pensar em uma concordância plena. Portanto não se trata de um consenso ético total. Porém, por mais diversas e variadas que sejam as diferen­ças nacionais, culturais e religiosas, trata-se em toda parte de pessoas humanas, e hoje, através dos meios de comunicação, so­bretudo do rádio e da televisão, estas sen­tem-se cada vez mais como uma co­munidade de destino sobre a Terra. E aqui se coloca a questão: Não poderia – ou não deveria - existir um mínimo de va­lores, normas e atitudes que sejam comuns a todos os ho­mens? Portanto, um consenso ético mínimo?
Vejamos o que hoje acontece. O mundo inteiro se enche de indignação com determinadas ocorrências locais, Quando as massas humanas são impelidas às ruas e as marchas de protesto – sejam em Pequim, Buenos Aires ou Belgrado ­- são televisionadas para o mundo, por toda parte um sem-número de pessoas tomam parte nes­te acontecimento, identificam-se com as pessoas do lugar e acompanham-nas em espírito. Quando no ano da revolu­ção européia de 1989 as multidões saíram às ruas de Praga, e algumas pessoas levavam faixas com a palavra "VERDADE" e outras com a palavra "JUSTIÇA", muito espontaneamente os telespectadores no mundo inteiro, independentemente das fronteiras nacionais, culturais e religiosas, entenderam quais os valores e normas globais que eram cobrados aqui da ditadura comunista. Nesses momentos manifestou-se mundialmente uma tranqüila abertura e concordância para os valores "Verdade" e "Justiça".
- Verdade? Os cidadãos e cidadãs de Praga não foram para as ruas defender uma teoria da coerên­cia, do consenso ou da concordância da verdade. Eles tinham idéias bem diversas sobre essas teorias, ou mesmo não esta­vam em absoluto preocupados com estas questões. Os manifestantes queriam ouvir de seus líderes políticos de­clarações verdadeiras; queriam poder acreditar no que liam nos jornais, não queriam continuar a ser “enrolados".
- Justiça? Os cidadãos de Praga não estavam fazendo demonstrações por uma concepção filosófica da igualdade. Estavam simplesmente exigindo: "Fora com as prisões arbitrárias, queremos uma justiça igual e apartidá­ria, queremos a abolição de todos os privilégios e prerroga­tivas da elite do partido – eles estavam exigindo uma justiça normal e comum em todas as circunstâncias.
Que significa isto para a questão das normas de validade universal? Quando em espírito nos identificamos com aque­les que protestam quando a verdade e a justiça são manifes­tamente calcadas aos pés, pode vir à tona uma solidariedade internacional, acima de todas as fronteiras de nação, cultura e religião. Fica claro que existe algo assim como um "núcleo da moral", um feixe de padrões éticos elementares, de que fazem parte o direito fundamental à vida, ao justo tratamento (inclusive por parte do Estado), à integridade corporal e psíquica. Encontramo-nos aqui diante de uma "moral míni­ma", de conceitos morais que possuem um mínimo de significa­do universal.
Texto baseado em Hans Küng, Uma Ética Global para a Política e Economia Mundiais, p. 166ss - Tradução e adaptação de Carlos Almeida.

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