sábado, 15 de setembro de 2007

Dimensões da fé


Meus caros amigos:



Continuo recebendo todos os dias um crescente número de variadas mensagens de todos os tipos: mensagens que procuram externar amizade ou que se ocupam com as preocupações sociais, políticas ou religiosas do momento; mensagens que falam de belas experiências artísticas ou que manifestam apoio aos meus trabalhos e iniciativas.

E mensagens pessoais de amizade, ou contendo consultas e solicitando maiores explicações sobre os temas enfocados. A estas últimas tenho procurado responder na medida do possível. Mas a muitas outras, devido à extensão ou à complexidade dos assuntos, ou ainda à falta de tempo disponível, eu permaneço devedor.

Sinto novamente a necessidade de por esse meio agradecer a todos e desculpar-me por não poder responder individualmente a cada um. Além do mais, ainda ocorreu que algumas mensagens das últimas semanas chegaram a se perder, porque houve necessidade de necessário formatar o disco rígido do computador.

Vejam no anexo a mensagem número 14.

Um grande abraço a todos.
Carlos Almeida


A fé na linguagem do povo. A fé como confiança. A fé como nova interpretação da realidade. A fé como superação. A fé como caminho para o Eu. E a fé no pôr em prática as palavras de Jesus. São estas as dimensões analisadas por Anselm Grün no livro com que nos ocupamos hoje. O trecho abaixo refere-se a esta última dimensão: o cumprimento das palavras de Jesus.


14. Dimensões da Fé

Quem lê o Sermão da Montanha, muitas vezes tem a impressão de que ele nos faz exigências exageradas. A fé já não aparece como algo que liberta, mas sim como um peso que teríamos de carregar, como mandamentos que precisamos cumprir empenhando todas as nossas forças. Mas fé, também para as exigências de Jesus, significa superação. ...


Vejamos uma das mais conhecidas exigências do Sermão da Montanha:

Ouvistes o que foi dito: olho por olho, dente por dente. Pois eu vos digo: não resistais ao malvado. Se alguém te esbofetear na face direita, oferece também a outra. E se alguém quiser mover uma ação para tirar-te a túnica, deixa-lhe também o manto. Se alguém te obrigar a carregar-lhe a mochila por um quilômetro, leva-a por dois. Dá a quem te pede e não voltes as costas a quem pedir emprestado (Mateus 5,38-42).


Não resistir
- significa que não precisamos ir a juízo com o malvado para reclamar nossos direitos. Quando comparado com a justiça que nos foi feita por Deus em Jesus Cristo, o direito humano fica tão distante, que sem prejuízo nós podemos dispensá-lo. Com isto não perdemos coisa alguma. Não nos envolvemos nos desafios do mal, mas sentimos em nós o espírito de Deus, que é mais forte do que qualquer injustiça. Mesmo quando o outro nos bate em uma face, nós nada perdemos com isso. Ser desonrados pelas pessoas não pode diminuir a honra que nos foi dada por Deus. Por isso não precisamos viver sempre preocupados com nossa honra.


Túnica e manto
- Entre os judeus a túnica podia ser empenhada. Mas mesmo ao mais pobre devedor a Lei não permitia que se empenhasse o manto, porque o manto serve de cobertor para ele se cobrir à noite. Jesus, então, nos diz que devo renunciar até mesmo ao direito que a Lei me dá. Deus é quem me cobre, é quem cuida de mim. Que é, então, que uma pessoa poderá tirar-me? Só coisas exteriores. Com isso eu não preciso ficar zangado. Eu estou nas mãos de Deus. Este fato é tão fascinante, que eu não preciso lutar por meu manto, nem insistir nos meus direitos.

Uma milha ou duas
- A força de ocupação romana tinha o direito de forçar qualquer judeu a acompanhá-lo por uma milha, para mostrar o caminho, ou para transportar uma carga. A esse direito os judeus tinham que dobrar-se. Mas só o faziam com ira e ranger de dentes. E enquanto carregava a mala do romano, o ódio crescia no coração do judeu. Com isto a inimizade apenas aumentava. Jesus nos diz então que, em vez de uma milha, deveríamos andar duas. Caminhando juntos, deveríamos conquistar o romano para nós; oferecer-nos de boa vontade e entrar em conversa com ele. Então duas milhas mais adiante nós poderíamos separar-nos como amigos. Devemos vencer o ódio pelo amor, o mal pelo bem. Só isto é que cura as divisões da comunidade humana. Precisamente pelo comportamento surpreendente eu posso superar a divisão entre as pessoas, quebrando as durezas do coração humano pelo amor.


Experiência de Deus
- Todos esses exemplos só se tornam possíveis porque nós passamos pela experiência de ser filhos de Deus. Só a partir daí é que estas exigências deixam de ser uma sobrecarga, e passam a ser caminhos para uma liberdade maior. Jesus nos apresenta o ser humano que experimentou em seu coração que é filho de Deus, que é amado e protegido por Deus. Só a partir desse plano é que também a inimizade entre as pessoas pode ser superada.


Imagens falsas e verdadeiras
- Pois a inimizade sempre surge de uma visão falsa. Eu projeto minhas falhas sobre o outro e as combato nele. Assim o outro torna-se meu inimigo. Normalmente o outro assume a projeção, se envolve com a imagem de inimigo, e passa ele próprio a ver-me com sentimentos de inimizade. Mas quando não aceitamos a inimizade porque vemos o inimigo à luz de Deus, então nenhuma inimizade poderá surgir. Talvez o outro continue projetando sobre mim atitudes de inimizade. Mas quando em vez de combatê-lo eu rezo por ele, porque acredito no desejo do bem que existe nele, porque creio que também ele é amado por Deus, que também ele está ligado diretamente a Deus, então o mecanismo da projeção deixa de funcionar. E surge a possibilidade de o outro desistir de sua visão falsa, ao ver-se confirmado por mim em sua maneira de ver.


Visão que nos traz alívio
- Visto dessa forma, de nenhuma maneira o amor ao inimigo nos deixa sobrecarregados. Passa, pelo contrário, a ser menos fatigante do que a inimizade. Ser inimigo de alguém, combatê-lo e ter que vencê-lo, é muito fatigante. Nos mantém em estado de tensão. Rezar pelo outro, acreditar no bem nele, é menos cansativo. Basta que se tenha fé, que se considere e se trate o outro a partir de um nível mais elevado. Este comportamento é difícil porque a antiga maneira de ver infiltrou-se em nós, sendo sempre de novo confirmada pelo mundo em que vivemos. Por isso é necessária muita coragem para nos envolvermos com a visão da fé. Mas quando a experimentamos, nas surpreendentes formas de comportamento que nos foram ensinadas por Jesus nós experimentamos uma liberdade e uma alegria interior. Sentimos que o espírito de Deus é mais forte do que toda má vontade humana, que o amor é mais forte do que a morte, e então descobrimos em nós cada vez mais possibilidades de respondermos com fantasia aos desafios dos outros.


Texto de Anselm Grün, DIMENSÕES DA FÉ, p. 71ss.
Tradução de Carlos Almeida, Campina Grande/Pb

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