sexta-feira, 28 de setembro de 2007

Experimentar Deus na Criação



A Bíblia nos apresenta a figura de Jó, o homem justo que possuía tudo quanto podia desejar: propriedades, rebanhos, uma numerosa família, com filhos e filhas, boa saúde... Mas Deus permitiu que Satanás o privasse de tudo isso. Os amigos que vieram vê-lo em sua dor acharam que isto tudo lhe teria acontecido por causa de algum pecado oculto. Mas Jó não aceita esta explicação. Sabe que tentou ser justo. No fim Jó apela para Deus. Ele quer que Deus se manifeste, quer ter a experiência de Deus.



A resposta que Deus dá a Jó nos enche de assombro. Pois consiste unicamente em que, num longo discurso, Deus faz passar diante dos olhos de Jó as maravilhas da criação: “Quem é esse que ofusca a Providência com palavras sem sentido? Cinge-te os rins como um valente: vou interrogar-te e tu me responderás. Onde estavas, quando lancei os fundamentos da terra? Dize-mo, se é que sabes tanto! Quem lhe fixou as dimensões? – se o sabes. Ou quem estendeu sobre ela a régua?” (Jó 38,2-5). E então Deus descreve a terra com suas maravilhas, o mistério do mar, do vento, da chuva e da aurora. Descreve em detalhes as características do asno, do touro selvagem, do avestruz, do cavalo e da águia. E no fim Jó responde: “Conhecia-te só de ouvido, mas agora viram-te os meus olhos. Por isso eu me retrato e faço penitência no pó e na cinza” (Jó 42,5s).



Para Jó, olhar a criação foi o mesmo que “ver a Deus”. E a criação nem é retratada aqui de uma maneira muito idílica, mas sim com suas crueldades e contradições. Muitos teólogos acham que Deus não respondeu realmente à pergunta de Jó. Mas a meu ver esta é justamente a resposta mais acertada que Deus podia dar. Não adianta perder tempo discutindo se Deus é justo ou injusto. O que importa é simplesmente olhar o que está aí, admirar o mistério da criação ao redor de mim. Observando as ondas do mar, o nascer do sol, o parto da cabra ou o vôo da águia que corta os ares, eu estou vendo a Deus. Não preciso ficar refletindo sobre Deus. Também não vou atrás de uma prova da existência de Deus. Eu simplesmente contemplo. E, no contemplar, experimento a Deus. Na criação eu vejo o Criador, o mistério do seu poder e de sua fantasia, a diversidade da vida, a sabedoria que está presente em todas as coisas.



Para mim, esta é uma forma importante da experiência de Deus. Eu sempre ouço as pessoas se queixarem de que Deus está ausente, não se deixa perceber. Não tenho outra resposta a dar senão a que Deus deu a Jó. Olha ao redor de ti! Olha a vida! Que vês quando contemplas uma flor, quando olhas a abelha sugando o néctar, quando admiras o colorido das borboletas? É obra da natureza, só da natureza? Mas o que é a natureza? Não foi a natureza criada por Deus, animada do espírito de Deus, perpassada pelo amor de Deus? Que ouves no gorjear dos pássaros, no rumorejar do vento, no murmurar do regato? Somente ruídos? Ou ouves aí o hino de louvor do cosmos, desde sempre a cantar os louvores do Criador?



Pitágoras ouvia a música das esferas, escutava o mundo compartilhando da harmonia divina. Ainda hoje existem pessoas espirituais, que na criação ouvem a voz de Deus, os divinos acordes, o eterno hino de louvor dos céus. Sempre de novo a liturgia convida-nos a participar deste eterno hino de louvor das forças e potestades, dos anjos e santos, para juntamente com o universo inteiro louvarmos a Deus. Quando nossos olhos e nossos ouvidos estão abertos, em tudo vemos e escutamos o próprio Deus. Então, na flor, no rochedo sobre o monte, nas aves do céu, admiramos o próprio Deus. Percebemos em tudo a voz de Deus. Já não discutimos mais sobre Deus, nem sobre Deus como causa primeira da criação, como o primeiro motor imóvel. Na criação nós estamos tocando o próprio Criador.


Texto de Anselm Grün, Se Quiser Experimentar Deus, pág. 214ss.


Tradução de Carlos Almeida –

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