quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Sentado atrás do gol

Essa é para os apreciadores do verdadeiro futebol.


Vejam vocês: na primeira vez que foi ao Maracanã, ainda criança, mesmo vendo o jogador Garrincha do Botafogo massacrar o seu Flamengo, Ruy Castro se tornou um de seus maiores fãs, a ponto de, anos depois, vir a escrever o livro "A Estrela Solitária", justamente uma biografia do "Mané".

Como dá saudade do futebol do passado ! ! !


Sentado atrás do gol

Ruy Castro

Entre as tantas efemérides de 2008, deixei escapar uma, apenas pessoal -quando me dei conta, já era. Foi no dia 9 último: os 50 anos de minha primeira ida ao Maracanã. Eu sei, todo mundo que gosta de futebol foi ao estádio uma primeira vez, e nem por isso a façanha merece ir para os calendários esportivos. Mas merece ir para o meu calendário afetivo -nem que seja pelo que se passou muitos anos depois.

Era um Flamengo x Botafogo pelo campeonato carioca de 1958. Eu tinha 10 anos e fui com meu pai, flamengo como eu. Saímos cedo, mas o táxi engarrafou perto do Maracanã, o jeito foi apear e seguir as bandeiras. Lá dentro, só havia lugar atrás de um dos gols -justo o gol para que o Botafogo atacaria no primeiro tempo.

O ataque do Botafogo naquela tarde era Garrincha, Didi, Paulinho, Quarentinha e Zagallo -cheio de campeões mundiais. A todo instante, Garrincha avançava pela direita, driblava nosso lateral Jordan (pronuncia-se Jordã) e chegava à linha de fundo, cruzando para o arco do Flamengo, defendido por Fernando -e por mim, sentado lá em cima, atrás do gol.

De Garrincha saíram os gols de Quarentinha, dois, e Paulinho, um atrás do outro. No segundo tempo, os times trocaram de lado e o Flamengo passou a atacar na minha direção. Pude então vibrar com o massacre rubro-negro e com os gols de Henrique e Dida. Mas ficou nisso: Botafogo 3 x 2.

Em 1995, 37 anos depois, publiquei um livro, "Estrela Solitária" -uma biografia de Garrincha. Muitas vezes, durante o trabalho, aquelas arrancadas de Garrincha contra meu coração me vieram à cabeça. E só então descobri que o garoto, mesmo tendo saído derrotado do Maracanã, não odiou seu algoz nem por um minuto. Era impossível odiar Garrincha. Na verdade, era impossível não amá-lo.

Fonte: Folha de São Paulo, 29/11

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