sábado, 3 de maio de 2008

Carlos Almeida traduz obra de Ratzinger, o Papa Bento XVI


49. Natureza e Missão da Teologia

Mais um livro traduzido por mim chegou esta semana às livrarias, publicado pela Editora Vozes. O assunto talvez esteja um pouco distanciado do interesse geral, mas não foge por completo à compreensão e ao interesse do leitor leigo. Porém o que mais me envaidece nesse livro não é o tema, e sim o autor do trabalho: Joseph Ratzinger. Sim, ele mesmo, o atual Papa Bento XVI. Não foi escrito, é certo, no seu pontificado mas sim no ano de 1993, quando ele apenas exercia o cargo de “Prefeito da Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé”. Seja como for, sinto-me orgulhoso ao poder afirmar que “traduzi um livro do Papa”:
Joseph Ratzinger, NATUREZA E MISSÃO DA TEOLOGIA,
Editora Vozes 2008 (104 páginas, R$ 17,00).
A seguir, o Prefácio do livro:

Na Igreja, mesmo na sociedade ocidental como um todo, a teologia e os teólogos passaram a ser hoje um tema discutido por todos, e também um tema controvertido. No mundo moderno, ao que me parece, o teólogo depara-se com uma dupla expectativa. Ele deve, por um lado, esclarecer racionalmente as tradições do cristianismo, isolar nelas o núcleo que tem condições de ser assimilado hoje, e ao mesmo tempo forçar à moderação a instituição da Igreja. Mas espera-se dele também que ao mesmo tempo ele confira rumo e conteúdo aos anseios religiosos e de transcendência capazes de ser propostos hoje.
Na sociedade mundial em formação impõe-se, além disso, ao teólogo a tarefa de levar adiante o diálogo das religiões e de contribuir para o desenvolvimento de um ethos mundial, que tenha como ponto central os conceitos de justiça, paz e preservação da criação. Por último o teólogo deveria ser ainda alguém que trouxesse consolo às almas, que ajudasse os indivíduos a se auto-encontrarem e a superar suas próprias alienações, pois o mero consolo coletivo de um mundo melhor e mais pacífico que viria a realizar-se no futuro comprovou-se como de todo insuficiente.
Em todo este esforço, não raro a Igreja como instituição, e sobretudo o magistério da Igreja Católica, é visto como um obstáculo concreto. O ponto de partida do magistério é que o “ser-cristão”, e mais ainda o “ser-católico”, possui um conteúdo determinado, tendo por conseguinte para o nosso pensar uma diretriz que não pode ser manipulada à vontade, diretriz essa que confere ao discurso do teólogo seu peso próprio, acima de todo discurso meramente político ou filosófico.
A teologia – na visão do magistério – não surge pelo simples fato de se imaginar quanta religião pode ser exigida do Homem, empregando para isso elementos da tradição cristã. Ela surge pelo fato de impor-se um limite à arbitrariedade do pensamento, pois adquirimos conhecimento de algo que não foi imaginado por nós, mas nos foi manifestado. Por isso nem toda teoria religiosa pode ser chamada de teologia cristã, ou teologia católica; a teoria que quiser fazer jus a esta denominação precisa considerar como possuidora de sentido a norma nela contida.
Levando-se em consideração a responsabilidade da consciência frente à verdade, qualquer um é livre para pensar o que for capaz de pensar e de dizer a partir desta responsabilidade. Mas não é livre para afirmar que o que ele diz representa a teologia católica. Existe aqui uma espécie de “marca registrada”, uma identidade histórica, que o magistério tem consciência de ser chamado a defender. Mas este compromisso com a proteção de uma identidade histórica (e que, como acreditamos, nos foi dado por Deus) é sempre de novo efetivamente apresentado como uma agressão à liberdade de pensamento, ainda mais quando sobre a consciência atual muitas vezes esta identidade é vista como perturbação, com conteúdos que não agradam aos nosso hábitos de pensar e de viver. Quando teólogos enfrentam contestação por quererem libertar-nos de tais fatos desagradáveis, o magistério passa a ser visto por eles quase como uma ameaça pessoal.
Mas existe também, na verdade, uma posição diferente. Muitos fiéis vêem no trabalho dos teólogos de hoje uma ameaça ao que eles consideram sagrado. Os métodos da ciência racional, quando aplicados irrestritamente à fé, são vistos como arrogância e presunção, que levam o Homem a ultrapassar seus limites e a destruir suas próprias bases. Em certas parcelas da Igreja manifesta-se uma crescente desconfiança com relação à ação dos teólogos, que parecem por demais aliados ao poder do espírito do tempo.
Nesta situação tornou-se urgente um diálogo sobre a teologia, para esclarecer seus caminhos e sua tarefa, como também para definir seus limites. As diversas partes deste livro surgiram a partir dos desafios deste diálogo. Não constituem nenhum tratado sistemático a respeito da teologia. Espero que as diferentes abordagens que delimitam o tema nas diversas partes, precisamente pelo fato de não estarem fechadas, também possam contribuir para uma melhor compreensão da natureza do trabalho teológico nas circunstâncias do nosso tempo e para apoiá-lo em sua tarefa mais importante, o serviço ao conhecimento da verdade revelada, e a partir dela à unidade na Igreja.
Roma, na Festa da Assunção de Maria, 1992
Joseph Cardeal Ratzinger
Enviado por Carlos Almeida Pereira, Campina Grande/Pb

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