domingo, 21 de outubro de 2007

Um teólogo polêmico


De HANS KÜNG eu tive, até o presente momento, ocasião de traduzir para o português os seguintes livros:


1. Uma Ética Global para a Política e Economia Mundiais (Vozes, 1999);
2. Religiões do Mundo (Verus, 2004);
3. Por Que Ainda Ser Cristão Hoje (Verus, 2004);
4. Freud e a Questão da Religião (Verus, 2006);
5. O Princípio de Todas as Coisas (Vozes, 2007).



HANS KÜNG é um dos maiores teólogos católicos contemporâneos, e também um dos mais polêmicos. Nascido em 1928 na Suíça, ordenou-se padre em 1954 e doutorou-se em teologia pela Pontíficia Universidade Gregoriana de Roma, sendo nomeado em 1960 professor de teologia na Universidade de Tübingen, Alemanha. Foi pelo Papa João XXIII convocado como consultor teológico para o Concílio Vaticano II.
Küng defende que os ensinamentos da igreja precisam ser formulados com firmeza, mas numa linguagem adequada a cada época. Defende o fim da obrigatoriedade do celibato clerical, uma maior participação dos leigos e mulheres na Igreja Católica, e o retorno a uma teologia baseada na mensagem bíblica. Suas posições polêmicas chegaram ao auge com a publicação do livro “Infalível? Uma interrogação” (Unfehlbar? Eine Anfrage), em 1970, onde rejeita o dogma da infalibilidade papal. Entretanto, apesar do juízo demolidor, H. Küng nunca abandonou a Igreja, tendo-se inclusive mantido fiel ao sacerdócio.
Na Alemanha, para alguém ser professor de Teologia (católica), precisa obter a aprovação do Vaticano, a chamada “missão canônica”. Em 1979 esta aprovação foi retirada a Küng, resultando daí que foi privado de sua cátedra na universidade – foi “cassado”, como a imprensa gosta de dizer. A Universidade, em lugar disso, deu-lhe a cátedra de Teologia Ecumênica – que não depende do Vaticano – e que ele ocupou até sua aposentadoria em 1996.
Longe de se retrair no silêncio, Hans Küng empreendeu dois grandes projetos: 1) esclarecer a situação religiosa no mundo de hoje, e 2) formular uma ética global que pudesse ser aceita por todas as religiões, e mesmo pelas pessoas de boa vontade que não são adeptos de nenhuma religião. Realizou estudos sobre as tradições cristã, judaica, islâmica, hinduísta e budista, e publicou obras sobre a questão da ética mundial ("Weltethos"). Segundo Küng, "uma nova ética mundial passa pela paz religiosa, sem a qual não haverá paz no mundo, e esta exigirá interpretações mais humanas de leis sacras ultrapassadas e anti-humanistas". Hans Küng é também o iniciador e presidente da Fundação Ethos Mundial (Stiftung Weltethos), que desde 1994 atua em favor do entendimento entre as religiões, como condição para que exista paz na terra.
Repetidas vezes Küng solicitou a João Paulo II um encontro pessoal, mas não obteve resposta. Pouco tempo depois da escolha de Ratzinger para o papado, Küng escreveu-lhe uma carta, expressando a esperança de que, apesar de todas as diferenças, fosse possível um diálogo. O Papa respondeu "rápida e amigavelmente", convidando-o para um jantar. E o encontro deu-se em Castelgandolfo, no dia 24/09/2005. Küng afirma haver percebido de uma e outra parte "uma grande alegria de se reverem", e que a conversa foi encorajadora, muito construtiva e "sem qualquer polêmica", tendo o Papa como um "interlocutor atento e aberto". Saiu maravilhado da visita a Bento XVI.
***
Após o falecimento de João Paulo II, Hans Küng escreveu uma carta aos cardeais que se reuniam para o conclave, dirigindo-lhes esta pergunta: Que tipo de Papa a igreja necessita hoje? E sugere estes cinco pontos: 1) um Papa harmonizado com o Evangelho – 2) um bispo colegial – 3) um pastor favorável às mulheres – 4) um mediador ecumênico – 5) um fiador da liberdade e da abertura na Igreja. A título de exemplo, ele especifica, no tocante ao 3º ponto, que os cardeais elejam um Papa que:
• rejeite a divisão dos membros da igreja em duas classes: homens e mulheres;
• não dê veredictos moralizadores sobre problemas complexos, como a contracepção, o aborto e a sexualidade;
• repense a proibição discriminatória do casamento dos padres, que remonta apenas ao século XI;
• não exclua, sem apelo, os divorciados que voltam a casar-se de participarem da eucaristia;
• permita a ordenação de mulheres, urgentemente necessária para a situação atual;
• corrija a encíclica Humanae vitae de Paulo VI sobre a pílula, que afastou inúmeras mulheres católicas da igreja;
• reconheça a responsabilidade dos cônjuges pelo controle de natalidade e o número de filhos;
• encare seriamente as diferentes vocações e carismas da igreja, importantes para construir uma comunidade de mulheres e homens em parceria.
Não sei se os cardeais tomaram conhecimento das propostas de Hans Küng.
Carlos Almeida, Campina Grande/Pb

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