segunda-feira, 1 de outubro de 2007

São Francisco - O Santo da Ecologia


O livro do capuchinho suíço Anton Rotzetter, COM DEUS NOS DIAS DE HOJE (Vozes/FFB, 2003), representa mais de vinte anos de reflexão dos franciscanos do mundo inteiro com o objetivo de reencontrar o carisma e os ideais do Fundador.


Escrito originalmente em alemão, coube-me por sorte traduzir esse livro para o português. O que, dadas as minhas origens, constituiu para mim um imenso prazer e uma grande honra. Nesses dias, quando no mundo inteiro romeiros e peregrinos acorrem, aos milhares, a Canindé, a Assis e a muitos outros santuários franciscanos, não deixa de ter cabimento um trecho desse livro.


[Na foto – de Fr. Filipe de Almeida, 1958 -, a imagem no altar-mor da igreja de S. Francisco, Salvador-BA.]


Carlos Almeida, Campina Grande/Pb


Há quase 50 anos surgiu a idéia de que a crise ecológica que o mundo atravessa não poderia ser enfrentada senão a partir de uma visão religiosa, e que esta visão podia ser encontrada exemplarmente em São Francisco de Assis.


Ele teve a humildade de ver que os seres humanos são parte de um todo muito maior, e que os setores da vida só adquirem razão e sentido pela relação com o rei­no sobrenatural de Deus. O estilo franciscano, ao reconhecer os outros se­res vivos como parceiros e companheiros na vida, leva a uma autêntica parceria com todas as cria­turas.


A respeito de Francisco são contadas muitas histórias belas e cheias de poesia. Fran­cisco vai ao encontro de todas as criaturas animadas ou inani­madas, como só pode fazer alguém que tenha um coração radicalmente reconciliado. O "Cântico do Irmão Sol" mostra que não se trata de encontros isolados c casuais com os animais ou a natureza.


Poeticamente Francisco chama todas as criatu­ras de "irmãos" e "irmãs": o sol, a lua e as estre­las, o fogo e a terra, a morte e a vida. Todas estão re­conciliadas umas com as outras.O fato de Francisco acolher a morte como irmã nos diz uma coisa fundamental: vida e morte, em geral sentidas como opos­tos, fazem parte do mundo reconciliado com Deus. Já não existe inimizade.


Mesmo o lobo, o mais selvagem dos animais, é seu irmão, embora Francisco trate com especial pre­dileção o cordeiro, e tudo quanto é meigo. Com os seres mais fracos, como grilos, lebres, carneiros, pássaros, flores etc., ele tem um convívio particularmente íntimo, como se fossem seus melhores amigos.


Ninguém consegue escapar à ternura com que Francisco vai ao encontro de todas as coisas, ao respeito de que até às pontas dos dedos ele está cheio, à poesia presente em tudo.


• Quando lavava as mãos, Francisco escolhia o lugar de modo que não tivesse que pisar com os pés a água, esta irmãzi­nha "tão útil e humilde e preciosa e casta".


• Andava com respeito sobre as pedras, pensando naquele que foi chamado "a Pedra".


• Aos frades que cortavam lenha, Francisco instruía que pou­passem a árvore e não a cortassem por inteiro, mas deixassem uma parte do tronco, a fim de que a árvore ainda pudesse ter es­perança de vida e voltar a florescer.


• Ao jardineiro recomendava que não cultivasse todo o terre­no, mas que deixasse um espaço livre a fim de que as ervas e flo­res pudessem crescer livremente. Para ele não existiam "ervas daninhas", mas apenas ervas úteis e ervas selvagens.


• Poupava os candeeiros, lâmpadas e velas, porque não que­ria apagar com sua mão o fulgor que era um sinal da luz eterna.


• Recolhia os vermezinhos que encontrasse no caminho, para que não fossem pisados, porque estes lembravam­-lhe Cristo, de quem o salmista disse que era considerado "um verme e não um homem, o opróbrio dos homens e o des­prezo do povo".


• Mandava dar mel e o melhor vinho às abelhas, para que não morressem de fome no frio do inverno.• Comprava cordeiros que eram levados ao matadouro, a fim de livrá-los da morte.


• Entre todos os animais, tinha uma predileção pelos cordei­rinhos, porque na Bíblia a humildade de Nosso Senhor Jesus Cristo foi muitas vezes comparada ao cordeiro.



Há um bom número de passagens falando da relação de Francisco com o fogo. Em certa oca­sião recusou-se a ajudar a apagar um fogo que consumia sua cela. Chegou mesmo a ficar com dor na consciência por haver tira­do da cela em chamas uma pele, em vez de deixá-la entregue ao fogo.



Chamava todas as criaturas de irmãs, e de uma maneira especial descobria os segredos do coração das criaturas, porque na verdade parecia já estar gozando a liberdade gloriosa dos filhos de Deus.


Para podermos compreender o que Francisco fez, é preciso ter dentro de si um pouco de criança: da criança que conversa com a água e com a pedra como se fosse um parceiro. Ou é preciso ser poeta: no detalhe o poeta vê o todo. Ou é preciso ser um apaixonado, que em tudo vê as cores do amado. Ou então simplesmente ser um santo, como Francisco o foi.


Como seria, se nós também redescobríssemos nossa intimidade com a natureza:


• não nos deixando absorver inteiramente pelo trabalho e pelas obrigações, mas procurando todos os dias o contato com a natureza, e assim readquirindo nossa condição de seres naturais?


• expressando nossa alegria de viver e tendo consciência de nos encontrarmos em nosso elemento quando nos ocupamos com o ar e a água, com o fogo e a terra?


• fazendo com que os pais e as mães chamem a atenção dos filhos para as pequenas belezas naturais e para os impulsos de vida, e com que participem do encanto dos filhos?


• voltando a sentir de perto e a ter consciência do ritmo das estações: do calor e do frio, do sol e da chuva, do cair das folhas e do germinar dos frutos, e tendo a coragem de enfrentar o tempo, qualquer que ele seja?


• não enchendo nossas casas de coisas luxuosas e supérfluas, mas permanecendo ligados a um estilo de morar e de viver ligado à natureza?


• não querendo comer tudo em qualquer estação do ano, mas nos limitando aos produtos de cada estação?


Texto de Anton Rotzetter, Com Deus nos Dias de Hoje, p. 135ss.


Tradução e adaptação de Carlos Almeida, Campina Grande/Pb

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