domingo, 28 de fevereiro de 2010

VENDE-SE TUDO

(Por Martha Medeiros)

No mural do colégio da minha filha encontrei um cartaz escrito por uma
mãe, avisando que estava vendendo tudo o que ela tinha em casa, pois a
família voltaria a morar nos Estados Unidos. O cartaz dava o endereço
do bazar e o horário de atendimento. Uma outra mãe, ao meu lado, comentou:
- Que coisa triste ter que vender tudo que se tem.
- Não é não, respondi, já passei por isso e é uma lição de vida.
Morei uma época no Chile e, na hora de voltar ao Brasil, trouxe comigo
apenas umas poucas gravuras, uns livros e uns tapetes. O resto vendi
tudo, e por tudo entenda-se: fogão, camas, louça, liquidificador, sala
de jantar, aparelho de som, tudo o que compõe uma casa.
Como eu não conhecia muita gente na cidade, meu marido anunciou o
bazar no seu local de trabalho e esperamos sentados que alguém
aparecesse. Sentados no chão. O sofá foi o primeiro que se foi. Às
vezes o interfone tocava às 11 da noite e era alguém que tinha ouvido
comentar que ali estava se vendendo uma estante. Eu convidava pra
subir e em dez minutos negociávamos um belo desconto. Além disso, eu
sempre dava um abridor de vinho ou um saleiro de brinde, e lá se iam
meus móveis e minhas bugigangas. Um troço maluco: estranhos entravam
na minha casa e desfalcavam o meu lar, que a cada dia ficava mais nu,
mais sem alma .

No penúltimo dia, ficamos só com o colchão no chão, a geladeira e a
tevê. No último, só com o colchão, que o zelador comprou e,
compreensivo, topou esperar a gente ir embora antes de buscar.
Ganhou de brinde os travesseiros.Guardo esses últimos dias no Chile
como o momento da minha vida em que aprendi a irrelevância de quase
tudo o que é material. Nunca mais me apeguei a nada que não tivesse
valor afetivo. Deixei de lado o zelo
excessivo por coisas que foram feitas apenas para se usar, e não para se amar.
Hoje me desfaço com facilidade de objetos, enquanto que torna-se cada
vez mais difícil me afastar de pessoas que são ou foram importantes,
não importa o tempo que estiveram presentes na minha vida. Desejo para
essa mulher que está vendendo suas coisas para voltar aos Estados
Unidos a mesma emoção que tive na minha última noite no Chile.
Dormimos no mesmo colchão, eu, meu marido e minha filha, que na época
tinha 2 anos de idade. As roupas já estavam guardadas nas malas. Fazia
muito frio. Ao acordarmos, uma vizinha simpática nos ofereceu o café
da manhã, já que não tínhamos nem uma xícara em casa.
Fomos embora carregando apenas o que havíamos vivido, levando as
emoções todas: nenhuma recordação foi vendida ou entregue como brinde.
Não pagamos excesso de bagagem e chegamos aqui com outro tipo de leveza.

.... só possuímos na vida o que dela pudermos levar ao partir.....

Enviado por Carmen Holanda, Fortaleza/Ce

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