domingo, 20 de dezembro de 2009

VIDA APÓS VIDA NESSA VIDA

Bemvindo Sequeira, ator, diretor de teatro e TV, autor e idoso

Gente, que texto é esse? Vale a pena ser lido e relido frase a frase, letra por letra.

Sempre pensei que ia morrer cedo. A luta armada, a clandestinidade na
luta contra a ditadura, aventuras, promiscuidade, orgias, riscos...
Tudo me levava a crer que não chegaria aos trinta anos. Para quem tem
vinte anos, quem tem trinta já é coroa. Tomei um susto quando vi-me
vivo e saudável aos trinta.
Aos quarenta percebi a possibilidade real da morte. No dia do meu
aniversário quarentão, um jovem ator de 24 anos perguntou como eu me
sentia: “Agora? de frente para a morte”. Para minha surpresa foi o
jovem quem morreu logo depois.
Aos cinqüenta apaixonei-me pela letra de Aldir Blanc na voz de
Paulinho da Viola: “... aos cinqüenta anos, insisto na juventude...”,
isto enquanto percebia meu ângulo peniano caminhando para os 90º. Mas,
antes dos sessenta a pílula azul alargou minhas possibilidades e
possibilitou-me ver o sexo por ângulos mais estreitos.
Agora estou além dos sessenta.
Aos quarenta, rezava pela alma dos mortos amigos e parentes. Nome por
nome eu pedia ao Senhor. Hoje, são tantos os que caíram, que apenas
peço “... pelos mortos em geral”.
E mais uma vez espanto-me por estar ainda vivo, e consolo-me no Salmo
91.7 que diz: “... 1.000 cairão ao teu lado e 10.000 à sua direita,
mas você não será atingido”. Mesmo confiando na Palavra, ainda assim
caminho embaixo de marquise pra São Pedro não me ver.
Ainda estou vivo, e pra quem pensou que morreria aos trinta, descubro
que existe vida após a vida.
Mas o preço do viver é muito alto para o jovem de hoje: tem que
comprar apartamento, arranjar um trampo, ganhar dinheiro, ficar
famoso, comer todas, bombar no youtube, malhar, casar, ter filhos,
comprar carro, estar bronzeado, conhecer tudo de web, e ainda ir ao
show da Madonna, entre outras miudezas.
Após os sessenta, você já está quite com tudo isto e pensa que vai viver em paz.
Qual o quê: tem que tomar insulina, antidepressivos, rivotris,
controlar a pressão, não comer açúcar, não comer sal, não fumar, não
beber, se conseguir comer uma e outra já é uma vitória, tem que
caminhar ao menos meia hora por dia mesmo sem querer, cuidar do
joanete, dormir cedo, vender o apartamento, fugir da bolsa, não
discutir no trânsito, não se alterar no caixa do supermercado, tolerar
os filhos, agradar os netos, ficar calado diante da mediocridade,
aceitar o salário de aposentado, ter o testamento em dia, e curtir
todas as dores ósseas, nervosas e musculares porque se algum dia você
acordar sem dor é porque está morto...
Claro que o idoso tem suas vantagens: uma delas é a transparência.
Quanto mais velho mais transparente você se torna. Chega a ficar
invisível: ninguém mais lhe percebe, mais um pouco e nem lhe enxergam.
Mas, pode passar à frente dos jovens nas filas todas, com aquele ar de
superior: “Você é jovem e sarado, mas eu tenho prioridade”... E ante
qualquer aborrecimento ou dificuldade você ameaça enfartar ou ter um
AVC. Funciona sempre, todos logo se tornam gentis e cordatos, e é
garantia de muitas meias e lenços como presentes no Natal.
Lidando com a minha “terceira idade” ouço de meu psicanalista, o bom
Luiz Alfredo: “Só há dois caminhos: envelhecer... ou o outro, muito
pior".
Prefiro envelhecer, aceitando cada minúsculo “sim” que a vida me dá
com uma grande alegria e uma grande vitória. Hoje quando encontro vaga
num elevador do shopping, quando o banco está vazio, ou quando
encontro promoção na farmácia, já considero uma bênção gigantesca e
agradeço a Deus pela Graça Alcançada...
Após os sessenta, como no filme de Brad Pitt, regrido na existência,
deixo Paulinho e a viola de lado e reencontro Lupiscinio “Esses moços,
pobres moços... ah se soubessem o que eu sei...”. Mas se soubessem não
ia adiantar nada: porque a sabedoria é filha do tempo. Como diz o
amigo Percinotto, também idoso: “o diabo é sábio porque é velho”.
Pelo andar da carruagem, percebo que já morri muitas vezes nesta vida,
e que viverei até fartar-me.

Enviado pelo amigo e companheiro da SOJAZZ, Edson Santos, Salvador/Ba

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