terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Escolas para todas as inteligências

Do Japão à Argentina, alguns colégios ensinam criatividade, autoconhecimento e outras habilidades que não estão no livro didático de seu filho. Ana Aranha

“Eu tinha um jardim de 8 metros quadrados, mas regava apenas 2 metros quadrados dele.” Assim um professor na Turquia definiu a mudança no modo de trabalhar depois que sua escola adotou a teoria das inteligências múltiplas. Criada na década de 80 pelo psicólogo americano Howard Gardner, professor da Universidade Harvard, a teoria propõe a existência de pelo menos oito tipos de inteligência. Segundo Gardner, as habilidades tradicionalmente reconhecidas e ensinadas nas escolas – o raciocínio lógico e a capacidade de aprender e usar a língua – são apenas parte das potencialidades do cérebro. As outras inteligências seriam: a musical, a de visualizar espaços, a de controlar movimentos do corpo, a de lidar com elementos da natureza, a de relacionar-se com os outros e a de conhecer os próprios limites e expectativas. Desde que Gardner lançou a teoria, educadores em todo o mundo experimentam modelos alternativos para estimular as oito inteligências na escola. O primeiro resultado dessas experiências costuma ser uma mudança no olhar do professor, como aconteceu com o professor turco citado no começo desta reportagem. “Antes, para mim, os alunos que se destacavam em outras áreas que não matemática e língua eram menos inteligentes. Lamento por tê-los discriminado.” O relato é um dos muitos reunidos no livro Inteligências múltiplas ao redor do mundo, organizado por Gardner e que será lançado nesta semana no Brasil pela Editora Artmed. No livro, educadores de 15 países da Europa, da Ásia e das Américas contam como aplicaram a teoria em escolas públicas e privadas. Não há relatos sobre o Brasil. Gardner, como psicólogo, nunca passou instruções aos educadores. Por isso, as experiências são bem diversas. Mas há dois princípios que marcam as adaptações de sua teoria às escolas. O primeiro é a tentativa de dar atendimento individual aos alunos – um meio de identificar em qual inteligência o aluno tem facilidade ou dificuldade. Na americana Key School, a primeira a colocar a teoria em prática, cada aluno tem semanalmente um momento livre em que recebe a atenção exclusiva do professor. Ele desenvolve a tarefa de seu interesse enquanto o professor o observa. Pode ser a pesquisa de um motor, a construção de uma maquete ou a redação de um poema. O aluno propõe a tarefa e se dedica a ela por quantas horas quiser. Ao final, o professor discute quais foram os pontos fortes e fracos da atividade, e o aluno escreve um relato. O objetivo é ensiná-lo a conhecer seus próprios interesses, facilidades e limites. A avaliação feita pela escola também é diferente. O boletim acompanha o estágio de motivação do aluno em cada inteligência. Em vez de dar notas por disciplina, o professor avalia se o aluno apresenta motivação interna, externa, passiva ou dispersão. O segundo princípio dos educadores que trabalham com a teoria de Gardner é o esforço para variar linguagens. Em vez de ensinar uma lição só com a leitura de um texto, o professor também propõe uma atividade motora. Foi o que rendeu ao professor Naohiko Furuichi o prêmio do Programa para Educação Científica da Fundação para a Educação da Sony no Japão. Para ensinar as fases da Lua, Furuichi montou uma maquete da órbita da Terra com diversas luas, cada uma pintada de acordo com a iluminação que recebe naquela posição. No meio da maquete, no lugar da Terra, ele fez um buraco onde os alunos colocam a cabeça. “Olhando as miniaturas do centro eles entendem por que a Lua parece diferente para nós”, afirma Furuichi. Além da maquete, Furuichi apresenta um poema sobre a relação entre uma flor oriental e a posição da Lua. Com esse tipo de atividade, ele procura estimular os alunos em pelo menos duas inteligências: línguas e visualização de espaços. Embora ocorram em vários continentes, as experiências inspiradas em Gardner geram controvérsias nas escolas. Para abrir espaço para atividades tão diferentes, é preciso reduzir a quantidade de conteúdo. E, como o professor respeita o ritmo de cada aluno, não é possível submetê-los a avaliações em larga escala – principal instrumento para os governos manterem o controle da qualidade do ensino. Um dos maiores críticos da difusão das ideias de Gardner nas escolas é o educador americano Eric Donald Hirsch Junior. Hoje aposentado, ele foi o principal defensor da importância dos testes nacionais nos Estados Unidos. Para Hirsch, um currículo extenso enriquece o vocabulário e fixa o domínio da escrita e do raciocínio lógico-matemático, ferramentas importantes no mercado de trabalho. Tirando o foco dessas inteligências, a escola perderia sua melhor ferramenta para promover a igualdade social. A resposta de Gardner a essa crítica é que o mundo de trabalho atual também exige criatividade, habilidade pouco trabalhada pelo ensino tradicional de conteúdos. Ele diz ainda que as outras inteligências são importantes para a vida fora do trabalho. “Se você é bom de língua e lógica, vai se achar muito inteligente na escola”, disse, em entrevista a ÉPOCA. “Mas, no dia em que se vir na Floresta Amazônica ou no trânsito caótico de São Paulo, vai descobrir que não sabe tanto assim.”
Fonte: Revista Época, Edição 605

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