terça-feira, 14 de julho de 2009

Vale uma reflexão






“Aí um dia você toma um avião para Paris, a lazer ou a trabalho, em um
vôo da Air France, em que a comida e a bebida têm a obrigação de
oferecer a melhor experiência gastronômica de bordo do mundo, e o
avião mergulha para a morte no meio do Oceano Atlântico. Sem que você
perceba, ou possa fazer qualquer coisa a respeito, sua vida acabou.
Numa bola de fogo ou nos 4 000 metros de água congelante abaixo de
você naquele mar sem fim. Você que tinha acabado de conseguir dormir
na poltrona ou de colocar os fones de ouvido para assistir ao primeiro
filme da noite ou de saborear uma segunda taça de vinho tinto com o
cobertorzinho do avião sobre os joelhos. Talvez você tenha tido tempo
de ter a consciência do fim, de que tudo terminava ali. Talvez você
nem tenha tido a chance de se dar conta disso. Fim.
Tudo que ia pela sua cabeça desaparece do mundo sem deixar vestígios.
Como se jamais tivesse existido. Seus planos de trocar de emprego ou
de expandir os negócios. Seu amor imenso pelos filhos e sua tremenda
incapacidade de expressar esse amor. Seu medo da velhice, suas
preocupações em relação à aposentadoria. Sua insegurança em relação ao
seu real talento, às chances de sobrevivência de suas competências
nesse mundo que troca de regras a cada seis meses. Seu receio de que
sua mulher, de cuja afeição você depende mais do que imagina, um dia
lhe deixe. Ou pior: que permaneça com você infeliz, tendo deixado de
amá-lo. Seus sonhos de trocar de casa, sua torcida para que seu time
faça uma boa temporada, o tesão que você sente pela ascensorista com
ar triste. Suas noites de insônia, essa sinusite que você está
desenvolvendo, suas saudades do cigarro. Os planos de voltar à
academia, a grande contabilidade (nem sempre com saldo positivo) dos
amores e dos ódios que você angariou e destilou pela vida, as dezenas
de pequenos problemas cotidianos que você tinha anotado na agenda para
resolver assim que tivesse tempo. Bastou um segundo para que tudo isso
fosse desligado. Para que todo esse universo pessoal que tantas vezes
lhe pesou toneladas tenha se apagado. Como uma lâmpada que acaba e não
volta a acender mais. Fim.
Então, aproveite bem o seu dia. Extraia dele todos os bons sentimentos
possíveis. Não deixe nada para depois. Diga o que tem para dizer.
Demonstre. Seja você mesmo. Não guarde lixo dentro de casa. Não
cultive amarguras e sofrimentos. Prefira o sorriso. Dê risada de tudo,
de si mesmo. Não adie alegrias nem contentamentos nem sabores bons.
Seja feliz. Hoje. Amanhã é uma ilusão. Ontem é uma lembrança. No
fundo, só existe o hoje.”


ARTIGO PUBLICADO NA REVISTA EXAME

Nenhum comentário: