segunda-feira, 17 de março de 2008

O órgão do sentido

Prezados amigos,

Uma pane no meu computador fez com que a remessa desta mensagem se atrasasse. Aproveito esta ocasião para agradecer a todos que nos enviaram mensagens de condolências pelo falecimento de Dona Izabel, minha sogra. São ocasiões como esta que fortalecem nossa visão de fé. A todos um grande abraço e um domingo cheio de alegria.

Carlos ("Frei Filipe")


Fonte: Elisabeth Lukas, Lehrbuch der Logotherapie

O fato de o ser humano ser livre pressupõe que ele possa fazer escolha entre o que tem e o que não tem sentido. Para isso é de absoluta necessidade que se conheça o sentido de uma situação qualquer. Mas precisamos ter certeza de que se trata aqui de uma tarefa possível. O ser humano é capaz de encontrar o que tem sentido porque ele é guiado pela consciência, que pode ser definida como a capacidade de perceber o sentido que se oculta por trás de cada situação. Assim como o órgão da visão é o olho, assim também o órgão do sentido é a consciência. O sentido que a consciência nos revela é um sentido objetivo, voltado para os valores no mundo, para o aumento e a preservação desses valores – e não um sentido subjetivo, a serviço das próprias necessidades. Seria muito perigoso restringir as decisões da consciência à percepção de algo que (subjetivamente) “nos pareça possuir sentido”. A ser assim, qualquer terrorista poderia afirmar que considera como tendo sentido explodir bombas. Mas não estamos nos referindo a um “sentido para ele”. Trata-se, antes, de um “sentido em si”, daquilo que em si é sensato, que resulta da realidade como tal, da situação. “Não existe sentido” em explodir bombas para prejudicar pessoas inocentes, mesmo que isto convenha aos planos de alguém. Vez por outra, evidentemente, também podem surgir muitas interrogações quando avaliamos uma situação, e não está excluída a possibilidade de errarmos. Tudo quanto é humano está sujeito a erro. Mesmo assim, o melhor padrão para as decisões da consciência é o orientar-se pelo sentido objetivo. Para compreendermos melhor como uma coisa tão subjetiva quanto a consciência pode perceber uma coisa tão objetiva quanto o “sentido da situação”, nós dispomos da comparação da bússola. Suponhamos que o Norte seja o que objetivamente possui mais sentido, o que melhor corresponde à situação de vida de uma pessoa. A bússola seria o órgão espiritual que esta pessoa possui, capaz de perceber o “chamado a ela dirigido”. E a agulha da bússola seria o “ponteiro” da consciência, que indica uma tarefa concreta. Isto implica que, para duas pessoas que se encontrassem em situações absolutamente iguais, a consciência teria que dar a mesma indicação, caso nenhuma delas cometesse um erro. Isto, na verdade, não passa de uma ficção, porque duas situações de vida nunca são idênticas. O sentido a ser encontrado em cada caso é “único e exclusivo”.


Ora, a consciência pode errar, o que poderia ser simbolizado por uma agulha oscilante, que não indica o Norte com suficiente firmeza e correção. Por outro lado, toda pessoa também é livre para agir contrariamente à consciência. Simbolicamente, para, apesar de ter nas mãos uma bússola apontando corretamente para o Norte, andar em direção ao Sul. No plano noético, a liberdade interior é também uma liberdade em relação à consciência (embora não seja uma liberdade em relação às mensagens da consciência). É provável que tal “marcha para o Sul” aconteça com bem maior freqüência do que um erro da própria consciência, o que acarreta amargas conseqüências: o “Norte” torna-se cada vez mais distante! Na psicoterapia nós sabemos como são numerosas as doenças psíquicas devidas unicamente ao fato de não se estar em concordância com a própria consciência, de se estar em contradição com o que é melhor para a pessoa.
Houve quem tentasse identificar a consciência com o “superego”. Mas isto não tem cabimento. Pois o superego, como definido por Freud, representa o conjunto das normas e hábitos assimilados, portanto o conhecimento que nós temos das normas morais que nos foram transmitidas por pais e mestres, pelas autoridades eclesiásticas e civis. Ao passo que a consciência é a compreensão dos valores. Ela é anterior a toda moral, e se encontra em cada um de nós. É o sentimento ético, de início inconsciente, que faz parte do “equipamento básico” de nossa existência.
O superego de alguém geralmente coincide com a voz da consciência dessa pessoa. Um roubo, por exemplo, é uma transgressão contra os costumes da sociedade. E é também rejeitado pela consciência, como um “ato anti-social”. Mas é possível imaginar-se uma situação em que a consciência de alguém justificaria o roubo como “tendo sentido”, por exemplo, se só por meio de um roubo alguém pudesse evitar que seus filhos morressem de fome.
Numa outra analogia, podemos dizer que o superego corresponde à regra de trânsito de que o motorista deve parar quando o sinal estiver vermelho, e seguir adiante quando o sinal estiver verde. Mas se por acaso a rua a ser atravessada encontrar-se inteiramente deserta, a consciência não fará objeções a que se atravesse a rua com o sinal vermelho. Porém se uma pessoa idosa estiver se dirigindo para o cruzamento, mesmo o sinal estando verde, a consciência não permitirá que o motorista pise no acelerador. Vemos que a consciência orienta-se pelo sentido da situação, e o superego pelas leis estabelecidas.
Na história da humanidade, as quebras da tradição deveram-se muitas vezes a um crescente distanciamento entre o superego e a consciência. Durante muitos séculos, por exemplo, a escravidão foi aceita pelo superego da população. Mas, com base na consciência, aos poucos foi surgindo um mal-estar cada vez maior – que terminou levando à abolição da escravatura.
Na psicoterapia, o problema do superego pode ser visto como claramente distinto das verdadeiras razões de consciência. O paciente que se perturba com o que “o povo” ou as pessoas pensam dele está dando ouvidos ao superego. E o paciente que no processo de decisão se empenha pelo sentido de alguma coisa está se ocupando com a consciência.





Da casa de Caifás, levaram Jesus para a residência do governador. Era de manhã. Os judeus não entraram na residência para não se contaminarem, a fim de poderem comer a Páscoa. Pilatos saiu para fora e lhes indagou: Que acusação trazeis contra esse homem? Em resposta disseram: Se não fosse malfeitor, não o teríamos entregue a ti. Disse-lhes Pilatos: Tomai-o vós e julgai-o segundo vossa Lei. Responderam-lhe os judeus: É que a nós não é permitido matar alguém.
Evangelho de João 18,28-31


[Desculpem o engano: as legendas da figura permaneceram em alemão. As correspondências (de cima para baixo) são as seguintes:
(das objektiv Sinnvolle) -> (o que objetivamente tem sentido)
“Anzeige” dês Gewissens -> a “indicação” da consciência
(das subjektive Erspûren) -> (o que é sentido subjetivamente)

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