domingo, 23 de março de 2008

Medida do Bonfim


A verdadeira fita era conhecida como medida do Bonfim. Tinha esse nome porque seu tamanho, 47 centímetros, corresponde ao comprimento do braço direito da estátua de Jesus Cristo, Senhor do Bonfim, que fica postada no altar-mor da igreja mais famosa da Bahia. A imagem foi esculpida em Setúbal, em Portugal, no século XVIII, mas a primeira fita só foi produzida no século seguinte. A peça, de seda, tinha o desenho e o nome do santo bordados à mão e o acabamento feito com tinta dourada ou prateada. Era usada no pescoço como um colar, no qual se penduravam medalhas e santinhos. A medida funcionava como uma moeda de troca. Ao pagar uma promessa, o fiel carregava uma foto ou uma pequena escultura de cera representando a parte do corpo curada com a ajuda do santo. Como lembrança, comprava uma dessas fitas, que simbolizava a própria igreja.
A fita atual é amarrada no pulso e precede o milagre: ao dar três nós no pano, a pessoa faz três pedidos, que só serão atendidos quando o tecido se desgastar e se romper. Não se sabe exatamente quando a transição começou, mas o fato é que a fita de pulso já era vendida nas ruas nos anos 60, quando foi adotada pelos hippies como parte de um uniforme que incluía sandália e bolsa de couro. Hoje não existe um único exemplar da antiga medida, lembrada apenas na música 'Trocando em Miúdos', de Chico Buarque (Eu vou lhe deixar a medida do Bonfim/Não me valeu). As pesquisas para o relançamento do suvenir original já estão bem avançadas. 'O objetivo é resgatar a tradição, e não banir do mercado a fita que se popularizou', explica Luiz Geraldo Urpia de Carvalho, membro da Irmandade da Devoção do Senhor Bom Jesus do Bonfim. 'Elas não competem entre si. A medida é feita para entrar nos lares das pessoas.' A fita que se conhece hoje pode ser de náilon – caso em que é produzida em São Paulo - ou de algodão - fabricada em Salvador por uma cooperativa de artesãos.
Para o historiador Cid Teixeira, a fita e a medida são sinais do sincretismo religioso baiano. 'O cristianismo não admite que a divindade possa estar num objeto. O povo acrescenta à religião itens mágicos, como essas fitas, que incorporam o divino', explica. 'Na Bahia é assim mesmo, Deus aqui tem várias identidades.' A fé no poder da fita é uma adaptação de crenças das religiões africanas.
Tiago Cordeiro

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