quarta-feira, 28 de julho de 2010

Contra a palmada


SÃO PAULO - "Tomei poucas palmadas e foram bem dadas. Na hora, senti que era um castigo. Agora só tenho razões para dizer quão certa minha mãe estava". Quem fala aqui é José Gregori, 80 anos, figura pública ligada à defesa dos direitos humanos. Veja agora o que disse, também na Folha, o jogador William, 33 anos, capitão do Corinthians: "Levei palmada e apanhei com vara de árvore. Me ajudou a saber os limites. Se a lei proíbe qualquer tipo de contato físico, as crianças podem crescer sem limites".
Seria obviamente absurdo imaginar a fala de William na boca de Gregori. Ele não acharia nada "pedagógico" apanhar "com vara de árvore". E, no entanto, ambos agradecem a educação que tiveram, apesar (ou por causa) das "palmadas bem dadas" que levaram. Estão e não estão falando a mesma coisa.
E estão, ambos, em sintonia com 54% da população, contra a mudança no Estatuto da Criança e do Adolescente, que detalha o veto ao "uso de castigos corporais ou de tratamento cruel e degradante".
A maioria das pessoas distingue entre a palmada eventual e o mau trato às crianças. Tende-se a tolerar a primeira e a condenar o segundo. É sempre útil não confundir um puxão de orelha e um espancamento. Mas, desde que se aceite o recurso à força física, quais os limites entre o "gesto educativo" e a "violência" na relação com os filhos? A intensidade? A frequência? A intenção? Os depoimentos acima indicam como pode ser movediça essa fronteira.
Há ainda quem advogue que o Estado não deva se imiscuir na esfera familiar nem estabelecer parâmetros à ação dos pais. Pelo mesmo raciocínio, deveríamos rasgar a Lei Maria da Penha ou jogar no lixo o estatuto que protege os idosos.
Diante das agressões dentro de casa de que são vítimas as crianças, o elogio da "palmadinha" soa muito mal. Como escreveu a neurocientista Suzana Herculano-Houzel, a lei só pretende que se deixe de considerar "normal, necessário ou saudável "educar" com violência".

Por FERNANDO DE BARROS E SILVA - Folha de São Paulo

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