segunda-feira, 11 de agosto de 2008

58. Sentido apesar da morte?

O homem é o único ser vivo que sabe que um dia há de dar adeus a este mundo. O NÃO à vida só poderá ser superado quando a vida for entendida como possuindo sentido – apesar da morte.
Você já imaginou o que aconteceria se a gente não morresse? Ora, tudo poderia ficar para amanhã ou para depois. Estudar, adquirir uma formação, aprender um ofício? Se poderia deixar para daqui a 500 ou a mil anos. O resultado é que não se iria fazer absolutamente nada! O que nos força a resolver as coisas é o fato de a vida ser limitada. Pode-se dizer que é a morte que impulsiona a vida. Ela é o motor que nos leva a agir. A morte não torna a vida sem sentido. Pelo contrário, é ela que faz a vida ter sentido. Numa vida que não tivesse limites (ou que pudesse ser repetida) também toda responsabilidade poderia ser deixada para mais tarde.
Da nossa vida, então, o que é que permanece? Permanece tudo quanto a pessoa fez, viveu ou sofreu. Permanece no passado, de onde nada pode ser retirado, no qual nada mais pode ser modificado ou eliminado. Pois o que possui realidade é o que aconteceu, o que foi feito, o que foi vivido. As possibilidades existentes no futuro ainda não são reais, elas podem ser perdidas e extintas.
Considere essa jovem professorinha. Ela tem a possibilidade de ensinar muitas crianças. De acompanhá-las no processo de fazerem-se homens ou mulheres. Mas quem sabe que mudanças o futuro irá trazer! Talvez a professorinha adoeça, talvez ela se case e deixe de exercer a profissão. As possibilidades futuras são incertas, são elas que na verdade são perecíveis e passageiras. E no momento da morte todas as possibilidades deixam de existir.
Considere agora aquela velha professora. Ela não tem mais à disposição a possibilidade futura de ensinar muitas crianças. Mas tem a realidade passada de haver orientado muitas crianças. Quem poderia tirar-lhe o que ela realizou, suprimi-lo de sua história de vida? O que se realizou no passado encontra-se ali protegido e seguro, tornou-se imperecível. Eternizou-se.
O tempo flui do futuro para o passado, passando pelo presente. Veja o esquema. Se alguém planeja no futuro construir uma casa, ele quer trazer a casa para a realidade. Ele busca um momento presente em que a casa seja construída, busca um passado em que a construção tenha ocorrido. Nós planejamos coisas futuras para criar coisas passadas. O futuro é o “reino do possível”. Muitas coisas podem ser, mas só poucas chegam a realizar-se. O possível é frágil e instável. O passado, ao invés, é o “reino do real”, do que existe. Nele nada está perdido, tudo está em segurança. O que foi realizado está realizado de uma vez por todas. Uma casa que foi construída, foi construída. E mesmo que com o tempo ela volte a cair, isto nada muda no fato de um dia ter sido construída.
O presente, então, representa a divisão entre os dois reinos, o palco onde o possível se transforma em real. Até há pouco a leitura deste texto era uma possibilidade, que você poderia também ter rejeitado. Então ela se transformaria em nada. Mas ao ler o texto a possibilidade se realiza, e amanhã já não poderá ser rejeitada. Você nunca mais poderá ter passado o dia de hoje sem ter lido esse texto – até a eternidade sua vida no dia de hoje estará ligada a este texto.
Que é que permanece quando a vida se escoa com o correr do tempo? Permanece a escolha que tivermos feito entre nossas possibilidades, permanece o que nós fizemos e realizamos. Mas daquilo que permanece, o que é que no fim é importante? Para respondera essa pergunta, precisamos introduzir um terceiro reino, o “reino dos valores”. É ele que decide se alguma coisa futura merece ser realizada ou não. Pense na possibilidade de um país declarar guerra. Pense na possibilidade de alguém odiar, maltratar, caluniar etc. Nem toda possibilidade que existe é digna de ser aproveitada e transformada em realidade. O que no final importa é,dentre o que foi realizado, o que possui sentido.
Para fazer um balanço da nossa existência, devemos confrontar o que nós realizamos com o que ficamos devendo à vida, o que ainda temos que dar, ou o que ainda está à espera de ser realizado. É verdade que os erros cometidos também estão incluídos. Mas temos fé e esperança de que existe uma redenção. Isto significa que no fim o que conta é o bem, e nada mais do que o bem – noutras palavras, o que conta é o que tem e o que teve sentido – tudo mais passa a ser objeto do perdão.
Mas não esqueçamos: Se desejamos encontrar clemência, também precisamos ser clementes: reconhecer aos outros as alegrias que eles nos trouxeram, perdoar-lhes os sofrimentos que nos provocaram; aceitar sem ressentimento todo sofrimento experimentado, conscientes de que também nós provocamos sofrimento aos nossos semelhantes.
Para todo ser humano existe a cada momento uma tarefa com sentido esperando por ele, uma possibilidade de sentido que ele ainda pode realizar. Até mesmo no leito de morte existe uma possibilidade de sentido – se não sob a forma de uma ação a praticar, pelo menos sob a forma de uma atitude a tomar.
Não precisamos preocupar-nos com o reconhecimento dos nossos semelhantes. O reconhecimento não é o que mais importa. O mais importante é a esperança de fazermos nossa parte para tornar o mundo em que vivemos um pouquinho mais luminoso e sadio. Pode ser um sorriso, uma boa palavra, um aperto de mão, um ouvido atento, que poderá trazer consolo a uma alma. Ninguém é inútil, ninguém é supérfluo, qualquer um é útil para alguma coisa. A consciência de se ter ainda uma tarefa a realizar pode mesmo ter o efeito de prolongar a vida e evitar doenças. Dentro deste contexto, tem cabimento esta doutrina logoterápica:
Felicidade não é quando se pode dizer: “Eu vou bem”. Felicidade é quando se pode dizer: “Eu sou bom para alguma coisa”.
A vida humana é como um filme que está sendo rodado. A vida passada é a parte já exposta do filme, onde cada cena foi fixada, mesmo a mais insignificante. O futuro, o que ainda está por vir, é filme virgem. Dentro das condições impostas pelo destino, nós temos o privilégio de dar resposta a tudo quanto acontece. Em toda pequena cena que passa para a parte exposta, nossa resposta está presente. E se a resposta for boa, nela grava-se um sinal Ê, que nenhum golpe do destino é capaz de anular.
No fim da vida o filme estará pronto, a vida terá entrado por inteiro na realidade. O que conta então não é o tamanho do filme, mas são aqueles sinais de Ê, que cena em nossa vida. Eles determinam se o filme é bom ou ruim – e o filme não pode ser modificado nem destruído. Nós continuamos a viver nele.

Fonte: Elisabeth Lukas, Sehnsucht nach Sinn.

O Senhor é minha luz e minha salvação, a quem temerei?
O Senhor é a força da minha vida, perante quem tremerei?
Quando malfeitores me assaltam para devorar-me,
são eles, meus adversários e inimigos, que tropeçam e caem.
Se um exército acampar contra mim, meu coração não tremerá.
Se uma batalha se travar contra mim, mesmo assim estarei
tranqüilo.
Uma só coisa peço ao Senhor, e só esta procuro:
É habitar na casa do Senhor todos os dias de minha vida.
Salmo 27

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