sábado, 9 de fevereiro de 2008

Opção pelos Pobres

Opção pelos Pobres

“Os pobres se tornam cada vez mais pobres, os ricos cada vez mais ricos.” Esta é uma frase que sempre de novo podemos ouvir. E não sem razão:
· Homens, mulheres e crianças são explorados. 300 milhões de crianças são obriga­das a trabalhar em condições brutais.
· A criação está sendo explorada. As grandes em­ presas lucram com os tesouros da natureza, que no entan­to pertencem a todos.
· No mundo são produzidos 10% mais alimentos do que o necessário. Não obstante, todo ano 30 milhões de pessoas morrem de fome, e 800 mi­lhões sofrem de desnutrição.
E por aí vai.
O que o Concílio Vaticano II constatou há quase 50 anos ainda continua a ser verdade: "Enquanto enorme multidão tem falta ainda de coisas absolutamente necessárias, alguns, mesmo em regiões menos desenvolvidas, vivem na opu­lência ou esperdiçam os bens. O luxo e a miséria existem simul­taneamente" (GS 63).
Os pobres na Bíblia - Diante da espantosa pobreza no mundo, precisamos voltar a ler a Sagrada Escritura. Os pobres no Antigo Testamento são pessoas que precisam de aju­da e que lutam até mesmo pela própria sobrevivência. Eles não têm o que é necessário para inspirar respeito. Por isso são despreza­dos. Podem ser encontradas duas con­cepções opostas:
(1) A riqueza material e a saúde são sinais certos da bên­ção de Deus: portanto, pobreza e doença são si­nais de sua maldição. Esta opinião persiste em muitas pessoas até hoje.
(2) Contra esta concepção volta-se a tradição dos profetas: Os pobres são os prediletos de Deus: Deus se envolve com eles incondicionalmente. "Ele terá compaixão do miserável e do pobre e salvará a vida dos indigentes" (Salmo 72,13). Os pobres não podem esperar auxílio dos outros. Sua única esperança é Deus. Por isso eles são chamados os anawim yahwe, os pobres de Deus (cf. o "Magnificat" e as "Bem-aventuranças").
Jesus e os pobres - No tempo de Jesus, Israel era uma colônia dominada pelos romanos, que determinavam toda a vida social e econômica. Havia os que tiravam vantagem e os que eram explorados. Além disso, dentro do próprio povo judeu existia a sociedade de clas­ses: os sumos sacerdotes, o conselho dos anciãos e escribas, de um lado. Os pobres, oprimidos e ignorantes, os anawim, do ou­tro. Foi a estes que Jesus se dedicou de maneira especial.
O próprio Jesus era um homem do povo pobre, da desprezada Galiléia, de Nazaré, de onde na opinião dos chefes em Jerusa­lém não podia sair nada de bom. Jesus viu que este povo era como um rebanho sem pastor, e fez-se para ele o "bom pastor" (Jo 10,11-21), em quem os pobres e os peque­nos começaram a depositar esperança.
O Evangelho de Lucas coloca nos lábios de Maria o cântico daquela esperança que irrompe com Jesus: Ele derruba os po­derosos de seus tronos, exalta os humildes, dá de comer aos fa­mintos e deixa os ricos de mãos vazias. O velho Si­meão vê em Jesus um sinal de que hão de levantar-se os que agora estão caídos por terra, e de que hão de cair os que agora se encontram no esplendor.
No início de sua vida pública o próprio Jesus explica o sen­tido de sua vida. Na sinagoga de Nazaré ele leu esse trecho do profeta Isaías: “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque Ele me ungiu para evangelizar os po­bres, enviou-me para anunciar aos aprisionados a libertação, aos cegos a recuperação da vista, para pôr em liberdade os opri­midos, e para anunciar um ano de graça do Senhor”. E disse: “Hoje se cumpriu o que acabais de ouvir'. Não é outra coisa o que conta o Evangelho de Lucas: Jesus se põe coerentemente a favor dos pobres, dos fra­cos, das vítimas, dos excluídos. No fim ele terá que pagar com a vida esta ousadia.
Também os outros evangelhos contam mais ou menos a mesma coisa. Jesus é apresentado como um homem que não tem onde reclinar a cabeça e que vive numa constante solidari­edade com os pobres. Quem quiser segui-lo terá que renunciar a toda idéia de posse e procurar com Ele a comunhão com os pobres (cf. o cap. 10 de Marcos). Pois os pobres, os que choram, os fracos, os perseguidos e espoliados devem experimentar e sa­ber que "deles é o Reino de Deus", a consolação, a vida, a justi­ça, o país, a terra inteira (cf. o cap. 5 de Mateus).
Depois que Jesus morreu, e que viram que apesar de tudo Ele estava vivo, os cristãos começaram a re­fletir sobre o que efetivamente lhes havia acontecido. Perceberam que havia muito mais coisa a contar e a acreditar do que as meras his­tórias de curas e de nova vida. Descobriram que Deus manifestou-se basicamente do lado dos seres humanos, sobretudo dos pequenos e dos pobres. "Eu te louvo, Pai, Senhor do céu e da terra, porque ocultaste estas coisas aos sábios e entendidos e as revelaste aos pequeninos" (Mt 11,25).
Cremos, assim, que Jesus, desde seu nascimento até o último suspiro na cruz, manifesta a tomada de posição de Deus em favor dos pobres. Os discípulos chegam mesmo a dizer que nele Deus se tomou homem. No "encar­nar-se", no "tomar-se homem", nós apreendemos simbolicamente tudo que podemos dizer a respeito de Deus. Deus vem para a mais ínfima baixeza do homem: para os pequenos, os escravi­zados e condenados. Por isso falamos hoje em dia em "opção preferencial" de Deus pelos pobres. O hino bíblico can­ta mesmo o "esvaziamento", o "aniquilamento" de Deus em Jesus. É difícil traduzir adequadamente a palavra grega kenosis. Mas ela quer dizer que Deus se doou inteiramente aos homens, apenas permanecendo ele mesmo. Ao pé da letra se diz no mencionado hino: "Subsistindo na condição de Deus, não pretendeu reter para si ser igual a Deus. Mas aniqui­lou-se a si mesmo, assumindo a condição de escravo, toman­do-se solidário com os homens. E apresentando-se como sim­ples homem, humilhou-se, feito obediente até à morte, até à morte da cruz" (Filipenses 2,6s).
Foi esta visão de Deus e da realidade terrestre que Francisco e seus frades assumiram como opção pessoal. Eles quiseram testemunhar o "Deus encarnado", que se coloca do lado dos pobres.
Texto de Anton Rotzetter, Com Deus nos Dias de Hoje, p. 244 ss.
Tradução e adaptação de Carlos Almeida

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