quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Inveja ou medo?

Difícil de acreditar. Mas a revista Veja desta semana garante que é verdade: o poeta mineiro Carlos Drummond de Andrade andou criticando, às escondidas, a obra da romancista cearense Rachel de Queiroz.
O introvertido vate das alterosas não sentou a púa somente na autora de O Quinze; também falou mal do paraibano José Lins do Rego, diz a mesma revista, em longa e maledicente matéria inserida na seção "Livros".
Antes de me manifestar sobre este assunto, transcrevo, para os que ainda não leram a Veja, pequenos trechos da matéria que é assinada pelo jornalista Jerônimo Teixeira, para mim um ilustre desconhecido.
Mas vamos lá.
"Na correspondência privada com o escritor mineiro Cyro dos Anjos (1906-1994), seu amigo próximo, Drummond ataca as obras de contemporâneos reputados, como Lúcio Cardoso, Rachel de Queiroz e José Lins do Rego".
Nas cartas, "Drummond reclama da atenção excessiva que a crítica carioca (o Rio nessa altura ainda era a capital e o centro cultural inconteste do país) devota à ficção de temas nordestinos, enquanto obras como Romanceiro da Independência, da Cecília Meireles (uma "dama difícil", ele admitia), eram ignoradas".
Escreveu Drummond: " O que me impressiona verdadeiramente, depois de tantos anos de residência no Rio e de conhecimento da turma, é o entusiasmo causado por qualquer produto daquela região (Nordeste), que faz noticiaristas e críticos avulsos babarem de gozo, enquanto o mais absoluto silêncio envolve uma obra do quilate de Romanceiro da Independência, da Cecília Meireles."
E em outra missiva enviada ao amigo Cyro, Carlos Drummond, referindo-se aos "rapazes do Norte", sobre eles faz esta insustentável observação: "Como escrevem mal."
A matéria é longa. E parece querer encampar a crítica deselegante do poeta mineiro, posto que, em nenhum momento, seu ilustre signatário dignou-se fazer a defesa da Rachel e do Zé Lins, reconhecidamente dois ícones da literatura brasileira.
Chamar Rachel de Queiroz e José Lins do Rego de medíocres? Só porque os dois são do nordeste? É, sem sombra de dúvida, uma monstruosa ofensa a Humberto de Campos, Coelho Neto, Graciliano Ramos, Ledo Ivo, Manuel Bandeira, José de Alencar e outros escitores que também nasceram no chão nordestino.
Talvez não seja eu a pessoa mais indicada para fazer a defesa dos dois escritores, já falecidos, criticados, redigo, em surdina, pelo Carlos.
Os nobres membros da Academia Brasileira de Letras deverão fazê-lo, com a autoridade que lhes reconhecemos.
Queria, apenas, deixar bem claro que não sou contra a crítica literária. Considero-a necessária, desde que feita abertamente, e se dê ao criticado o mais amplo direito de defender da sua obra.
Minha pergunta, ao final, será esta: por que o belo poeta - que um dia adotou o pseudônimo de O Observador Literário, não fez tais críticas abertamente, oferecendo a Rachel e a Zé Lins a oportunidade de se defenderem?
As cartas teriam sido escritas entre 1906 e 1994, portanto, com os dois escritores ainda vivos. Zé morreu no dia 12 de setembro de 1957 e a Rachel em 4 de novembro de 2003.
Drummond, que morreu no dia 17 de agosto de 1987, sabia, perfeitamente, que pela grandiosidade de sua obra, suas críticas aos dois escrtores nordestinos qualquer dia chegariam até nós.
E é o que está acontecendo, agora, com a divulgação de sua correspondência privada mantida com o escritor Cyro dos Anjos.
Por que, ô Carlos? Por que críticas clandestinas?
Covardia? Inveja? Ou medo da resposta que fatalmente lhe daria a Rachelzinha?
Temer por quê? Ora, poeta, desde muito cedo, seus envolventes versos já eram respeitados, queridos e aplaudidos.
Desde muito cedo, seus poemas já colocavam você na galeria dos vates imortais.
Desde muito cedo, você já era O Poeta.
Embora nunca tenha escrito um romance, como o fizeram Rachel e Zé Lins, suas crônicas, Poeta, como ressalta a matéria da Veja, foram sempre crônicas "bem-humoradas, leves, exemplares na correção e na clareza da linguagem".
Por que, insisto, críticas escondidas?
Se você assim preferiu, que se respeite a sua vontade. Mas que pegou mal, pegou...

Felipe Jucá

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