Os últimos dias do ano passado foram-me particularmente gratos. Além do massudo DSB - Dicionário de Biografias Científicas, chegou também o livro de Anselm Grün, A CHANCE DE RECOMEÇAR (Verus Editora, Campinas, SP, 116 p., R$ 19,90).
É o 11º texto que traduzi desse monge-escritor. Fininho, cento e poucas páginas – mas substancioso. Ocupa-se com os fracassos a que estamos expostos e expostas – e quem não os enfrenta? -: no casamento, na profissão, na vida religiosa ou sacerdotal. E das oportunidades que o fracasso abre em nossa vida.
Carlos Almeida Pereira, Campina Grande/Pb
34. Fracasso no casamento
Existem muitas razões para um homem e uma mulher se encontrarem e casarem-se. Antes de tudo o fato de um homem apaixonar-se por uma mulher, ou vice-versa, e de o parceiro retribuir esse amor. E em algum momento esta paixão transforma-se em amor, que lhes infunde a coragem de unirem-se um ao outro para sempre. Mas quando observamos a relação de muitos casais, nós percebemos que ao apaixonar-se eles projetaram muitos traços inconscientes sobre o parceiro. Paixão sempre tem a ver com projeção. Eu me apaixono por uma pessoa que demonstra viver algo que, embora exista também em mim, foi por mim negligenciado. Quando admiro uma qualidade no outro, eu espero compartilhar com ele dessa qualidade. A tarefa consistiria em num dado momento a projeção ser retirada e eu procurar realizar em mim mesmo o que me deixa fascinado no outro. Nesse caso, da paixão surge o amor. Na paixão eu dependo do outro; no amor eu o deixo livre. Muitos perdem o momento certo de deixar a paixão pelo amor. Quando passa a paixão, também a relação se rompe. Rejeitam a tarefa de desvincular-se da projeção e de fazer vibrar em si próprio os aspectos que admiram no outro.
Com freqüência acontece um homem que não tem consciência do seu passado repetir esse mesmo passado com a mulher. O homem que não percebe a ligação materna, inconscientemente procura uma mulher que se torne para ele um sucedâneo da mãe. Ou então a mulher que perdeu o pai, e que está continuamente a sonhar com um pai, procura para si mesma no homem um sucedâneo do pai. Uma lei da psicologia diz-nos que as feridas que nós não vemos e não elaboramos tendem a se repetir. A esta lei dificilmente se consegue escapar. Nisto não há nada de mal. Pois poderia estar aí a chance de na relação com o parceiro enfrentarmos de uma forma diferente o ferimento da infância que volta a se repetir. Isto poderia nos levar ao amadurecimento. Muitos, porém, deixam-se prender na repetição do passado. Não percebem que os padrões infantis sempre voltam a repetir-se. Atribuem toda culpa ao outro, em lugar de se envolverem numa caminhada comum de desenvolvimento.
Há muitas outras razões que levam as pessoas a se aproximarem. Esta mulher não tem muito sentimento do seu próprio valor. Inconscientemente ela procura um homem forte. Deixa-se fascinar pela força e segurança manifestada por ele. Para ela isto funciona como apoio. Só muito mais tarde ela percebe que a pretensa segurança do marido é apenas a face oculta de uma grande insegurança, da incapacidade de demonstrar sentimentos e de admitir as próprias fraquezas. Inicialmente ela vive da segurança que encontrou nele. Mas pouco a pouco passa a sentir-se tutelada, deseja libertar-se da prisão em que entrou de livre e espontânea vontade, se bem que de forma inconsciente.
Um homem que jamais soube o que é segurança encontra segurança em sua parceira. Mas se ele continuar a vida toda nesse papel, um dia ela acha que é demais. Ela não pode apenas dar, precisa também receber. E para o homem, com o correr do tempo, não será suficiente encontrar em sua mulher apenas o lado maternal, a segurança do lar. Ele gostaria também de tê-la como uma parceira de igual nível, que constituísse para ele um desafio.
Um homem encontra uma mulher que o admira. Isto o deixa lisonjeado. Gostaria de manter a admiração da mulher pela vida toda. Mas alguns anos mais tarde ele já percebe que a mulher também o critica, também observa seus pontos fracos. Então ele fica decepcionado. Pois havia-se casado com uma mulher diferente, com uma mulher que o colocava num trono. Como não quer descer do trono, surge uma crise.
Uma mulher sente-se fascinada, porque é adorada pelo marido. Está certa de que ele lhe será fiel para sempre. Mas num dado momento ela sente que esta adoração é exagerada. Tem a impressão de ter-se casado não com um homem mas sim com uma criança que a admira, mas de quem ela precisar cuidar como de seus filhos carnais. Sente que não pode viver da admiração do marido. Gostaria de ter um parceiro que também a estimulasse, no qual também pudesse apoiar-se de vez em quando.
Homens ou mulheres com a típica síndrome de ajuda encontram parceiros de personalidade fraca. Deixam-se de tal forma fascinar pela própria capacidade de ajudar o parceiro que chegam mesmo a provocar a fraqueza do outro. Pois a fraqueza do outro faz com que sintam-se fortes. Passam a considerar-se como salvadores ou salvadoras, como indispensáveis. Em última análise se identificam com uma imagem arquetípica. E isto os torna cegos ou cegas para a própria realidade e para a realidade do outro. Em algum momento cansar-se-ão de ajudar e irão irritar-se com as fraquezas do parceiro. Ou então o outro cresce e se fortalece. E eles ou elas passam a sentir-se inseguros, porque os papéis assumidos anteriormente já não correspondem à realidade.
Veja-se esta mulher, bem mais forte do que o marido. Ela de início sente-se lisonjeada por introduzir o marido na vida, por desafiá-lo, porque o marido é manso e pacato e faz tudo quanto ela quer, sempre se deixa levar. Mas em algum momento ela se cansa de todas as vezes assumir a iniciativa. Passa a ser um peso para ela ter sempre que empurrar o marido lerdo. Gostaria de alguma vez também poder apoiar-se nele, de poder discutir. Mas sente que seu marido se torna cada vez menor, que constantemente ele apenas se desculpa, mas nunca luta realmente ao lado dela. Isto a deixa furiosa.
Muitas vezes acontece um parceiro usar o outro inconscientemente. A jovem mulher, por exemplo, tem necessidade dele para enfim poder sair de uma situação familiar insuportável e viver sua própria vida. Ou então o marido usa a mulher para poder sair de casa, ou para provar a si mesmo e aos colegas que é homem por inteiro. A mulher serve para ele sentir que possui valor diante dos outros. Só mais tarde percebe que não estava pensando na pessoa de sua mulher. Ou então a mulher usa o marido para que ele a ajude a tornar-se adulta. Espera que a relação a faça amadurecer, ou que a liberte de seus complexos de inferioridade. O que a levou ao casamento não foi o verdadeiro amor à pessoa do outro, mas sim o desejo inconsciente de por meio dele resolver seus próprios problemas. O marido, da mesma forma, usa a mulher esperando por meio dela entrar em contato com seus próprios sentimentos, libertar-se de suas depressões. Em algum momento esses parceiros irão despertar e perceber com espanto que nunca procuraram o núcleo pessoal e único do outro, mas que apenas se utilizaram dele para seus próprios fins.
Texto de Anselm Grün, A CHANCE DE RECOMEÇAR
Tradução de Carlos Almeida
domingo, 13 de janeiro de 2008
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