sábado, 23 de julho de 2011

Glossário do Chamego

por Paulinho Rosa

Muito se fala da poesia, do samba, das letras fantásticas e maravilhosas que costumamos encontrar em músicas

de Cartola, Noel Rosa, Ataulfo Alves, Paulinho da Viola, Paulo César Pinheiro e

tantos outros incríveis compositores. Isso para não falar de Chico Buarque,

porque aí qualquer comparação vira covardia.

Mas se o samba tem seus poetas, o forró não fica atrás. O que dizer de Zé

Dantas, Humberto Teixeira, Antonio Barros, João Silva, Petrucio Amorim, Dorgival

Dantas, Nando Cordel, Flavio Leandro e, até aqui, no nosso quintal, gente como

Janaína Pereira, Miltinho, Edilberto, Enok Virgulino, etc. Esqueci um monte de

nomes, mas é que tem muitos, com muita qualidade e com uma poesia peculiar, bem

cara de forró.

Resolvi expor aqui alguns exemplos do modo poético, típico do forró e de alguns

compositores, que usam frases, palavras e jeito bem próprios e as combinam de

uma forma que são pouco usuais aqui pelo sudeste, mas que se repararmos bem é de

uma verdade avassaladora e, se tentarmos procurar um modo diferente de dizer as

mesmas coisas, acho que seria difícil conseguir. Não sei se é por viver há muito

tempo no meio, mas sou apaixonado por algumas dessas frases e desse modo tão

nordestino de se dizer coisas de amor, segue aqui algumas delas:

"O coração deu um pinote dentro do meu peito".

Quem Souber Me Diga, de Accioly Neto

Quem nunca sentiu o coração disparar e pular quando viu de repente aquela pessoa

que tanto quer?

"Tô entregue, tô todo desmantelado por causa desse amor que você me ensinou".

Xote da Saudade, de Geraldinho Lins

Eita desmantelo brabo, nunca vi uma palavra tão bem colocada para explicar como

ficamos quando perdemos um grande amor.

"Quando o verde dos teus olhos se espalha na plantação eu te asseguro, não

chores não viu, que eu voltarei viu, meu coração".

Asa Branca, de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira

O hino do nordeste, que bem poderia ser do Brasil, deixa clara toda a poesia

entre amor e sofrimento do povo retirante nordestino.

"Quem é você pra derramar meu mungunzá?".

Tareco e Mariola, de Petrúcio Amorim

Isso mesmo, embora o objetivo do compositor não tenha sido inicialmente uma

música de amor, todo mundo a entende assim. E quem ela acha que é pra derramar

meu mungunzá? (mungunzá é a canjica do sudeste)

"E que a sorte continue me arrodiando".

O Tempo Vem, de Savilar

Quem não gostaria que a sorte ficasse sempre ali, por perto e no arrodeio?

"O coração do homem quando se apaixona é desmantelo, se percebe no olhar, perde

o Juízo, bebe água sem ter sede, perde o sono vai pra rede, se dorme garra a

sonhar".

Flor do Alecrim, de Enok Virgulino

Precisa falar algo?

"Não se admire se um dia um beija-flor invadir a porta da tua casa, te der um

beijo e partir, fui eu que mandei o beijo, que é pra matar meu desejo, faz tempo

que eu não te vejo, ai que saudade de ocê".

Ai Que Saudade Docê, de Vital Farias

Algum passarinho tá sem GPS

"Tem nada não, eu choro todo pranto que for pra chorar, eu pago todo preço que

for pra pagar, mas vou morrer dizendo que não te esqueci".

Fuxico, de Flavio Leandro

Vai morrer pobre, com a casa cheia d’água e sem a muié…

"Se tiver o pé de anjo, o cheiro de fruta, a pele macia, se for manhosa, fogosa,

carinhosa, umbigo redondo e fundo que é pra beber água fria".

Receita de Mulher, de Juraildes da Cruz

Nesse caso precisa sede pra beber água?

"O meu olhar vai dar uma festa amor, na hora que você chegar".

Espumas ao Vento, de Accioly Neto

Ôôô olho danado, quase sempre entrega nossos sentimentos, eita desgraça!

"Kalu, Kalu, Tira o verde desses óio de riba d’eu".

Kalu, de Humberto Teixeira

Se continuar olhando assim, com esses olhos, não respondo por mim…

"Oricuri madurou ô é sinal que arapuá já fez mel,catingueira fulôro lá no sertão

vai cair chuva granel…"

Ouricuri, de João do Vale

Que Climatempo que nada.

"A planta pede chuva quando quer brotar, o céu logo escurece quando vai chover,

meu coração só pede teu amor, se não me deres, posso até morrer".

Tenho Sede, de Dominguinhos e Anastacia

Água, amor… Será que é possivel escalonar o que é mais importante para vivermos?

Pra planta é água…

Teria muito mais exemplos, na verdade incontáveis, mas acho que já deu pra

conhecer um pouco desse jeito forrozeiro de fazer poesia. Agora, já pensou essas

frases cantadas em melodias lindas, por grandes intérpretes e você ali,

abraçado(a) aquela pessoa que tanto quer, sua boca colada ao cangote dela(e) e

bucho com bucho, tudo coladinho… Vem pro forró, tenho certeza que vai gostar!

* Xilogravuras de J. Borges, Edilson Oliveira e Severino Borges

Colunas, Forró em Pauta Paulinho Rosa Sobre o autor

Empresário e produtor cultural envolvido com forró desde 1991, apresenta em

parceria com o cantor Dominguinhos o programa de rádio "Vira e Mexe" (Rádio

USP-FM 93,7), voltado ao ritmo nordestino

Um comentário:

Guto Monteiro disse...

Por uma enorme coincidência, acabei de assistir um documentário sobre a obra de Humberto Teixeira, o "Dr. do Baião". elaborado pela sua filha, a atriz Denise Drumond. Uma bela obra. Com depoimentos de vários cantores, produtores e admiradores da grande música popular nordestina.
Eu recomendo. O título é: "O Homem que Engarrafava Nuvens.