domingo, 31 de julho de 2011

Jogar-se à vida

RUY CASTRO



RIO DE JANEIRO - Uma velha amiga minha de São Paulo -nem tão velha assim, e muito bonita- me diz que seu filho, de 39 anos, mora com ela. Não é que "ainda" more com ela. Ele apenas mora, desde o dia em que nasceu, e não há indícios de que esteja planejando se emancipar e morar sozinho. A mãe, a essa altura, já desistiu de fazê-lo desconfiar de que ela, sim, gostaria de um pouco de espaço (e privacidade) para viver sua própria vida.
Ao ouvir isso, levei um susto. Aos 39 anos, eu já tinha saído não só da casa de meus pais como de dois casamentos, e morado em dez endereços de quatro cidades em dois continentes. Era só no que os garotos da minha geração pensavam -jogar-se à vida, longe da saia materna ou da mesada paterna. Supunha-se que, enquanto se morasse com a família, estava-se dispensado da maturidade.
Um desses endereços, em 1967, foi o Solar da Fossa, um casarão colonial em Botafogo, perto do túnel Novo. Nele tinham ido parar rapazes e moças de fora e de dentro do Rio, todos em busca de liberdade para criar, trabalhar, namorar ou não fazer nada, enfim, viver. Ali, um dos moradores, Caetano Veloso, compôs "Alegria, Alegria"; outro, Paulinho da Viola, "Sinal Fechado". Grupos como o Momento 4, campeão dos festivais, e o Sá, Rodrix & Guarabyra se formaram em seus quartos.
Três de nossas lindas vizinhas estrelaram as páginas de "Fairplay", a primeira revista masculina do Brasil: Betty Faria, Itala Nandi e Tania Scher. Paulo Leminsky escrevia seu romance "Catatau". O pessoal do Teatro Jovem, que estava revolucionando o teatro brasileiro, morava lá, assim como metade do elenco de "Roda Viva", em ensaio no outro lado do túnel. Os namoros eram a mil. Até o autor francês Jean Genet, de passagem pelo Solar, se enrabichou por um dos nossos.
Se aquela turma morasse com a mãe, nada disso teria acontecido.

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