domingo, 3 de fevereiro de 2008

Jogo de palavras


Por Reinaldo Polito

Duas histórias interessantes e descontraídas mostram como usar as palavras de forma apropriada para sair de situações difíceis ou embaraçosas.

A primeira delas é curiosa e verdadeira. Foi contada em sala de aula por um aluno que é juiz de direito. Ele disse aos colegas de curso que no início de sua carreira teve de trabalhar em uma cidade do interior. A localidade era muito pequena e quase todos os habitantes se conheciam pelo nome. Freqüentavam a mesma praça, o mesmo supermercado e no final de semana, depois da missa, iam ao único campo de futebol para se divertir vendo os pernas de pau bater uma bola.
As atividades do juiz eram tranqüilas, tirando uma ou outra discussão de vizinhos por causa de divisa de propriedade, quase nunca havia novidade.

Um belo dia, durante um julgamento, ele precisou usar de muito jogo de cintura para sair de uma saia justa. Para elucidar o caso que estava sendo julgado era preciso saber se o réu tinha ou não o hábito de beber muito. Em determinado momento o juiz se volta para um velho companheiro de bocha, que fora chamado como testemunha, e naturalmente fez a ele uma pergunta, como se estivessem batendo papo, tomando uma cervejinha no boteco:

- Juarez, conta pra nóis aqui, você sabe se o Zé Antonio bebe muito?

Sem se dar conta de que estava participando de um julgamento, Juarez respondeu como se também estivesse conversando na pracinha:

- Ó doutor, pra explicar assim de um jeito facinho de entendê, digo que ele bebe que nem nóis. Nem mais, nem menos.

O juiz sentindo que estava com uma batata quente nas mãos, virou-se para quem fazia as anotações e orientou com a severidade própria do cargo e da posição que ocupava:

-Para que não paire dúvidas sobre essa questão, deve ficar consignado que a testemunha alega que o réu bebe...moderadamente.

Esse é um ótimo ensinamento, suavizar as palavras e reinterpretar certas respostas como forma de nos defender de situações delicadas e constrangedoras.

Essa outra história foi contada por um dos mais brilhantes comunicadores que conheci, o Padre Vasconcelos. Ele foi um dedicado estudioso da comunicação e se tornou famoso em São Paulo, especialmente na região do Paraíso, por suas extraordinárias pregações. Era uma espécie de Padre Marcelo Rossi dos anos 70.

Falava rápido e brincava com a platéia o tempo todo. Embora eu tenha ouvido o relato da boca do próprio padre, desconfio que não passou de uma invencionice que teve como objetivo mostrar de forma bem-humorada como as palavras usadas de maneira correta podem ser muito mais persuasivas.

Ele contou que um seminarista, em dia pleno de orações, estava louquinho para dar umas tragadas. Lembre-se de que nos anos 70, quase 40 anos atrás, nem os padres se preocupavam muito com o fato de que contar histórias de fumantes era politicamente correto ou não.

Como o seminarista era obediente e não queria transgredir as rígidas normas que proibiam fumar sem autorização, assim que avistou o bispo dirigiu-se a ele e perguntou:- Reverendíssima, será que eu poderia fumar enquanto estou rezando?

O bispo não pensou duas vezes para negar o pedido do seminarista.No dia seguinte, sem se conformar com a negativa que havia recebido, dirigiu-se ao mesmo bispo e fez a mesma pergunta, com uma pequena mudança no seu pedido:

-Reverendíssima, será que eu poderia rezar enquanto estou fumando?O bispo pensou um pouco e respondeu com o semblante alegre:

-Claro que pode, meu filho, seria muito bom se enquanto você estivesse fumando pudesse rezar.É um procedimento simples, que exige apenas um pouco de atenção, pois são muitos os momentos da nossa vida em que poderíamos encontrar boas soluções para os problemas se em vez de pedir para fumar enquanto rezamos, pedíssemos para rezar enquanto fumamos.

Reinaldo Polito é Mestre em Ciências da Comunicação, Palestrante, Professor de Expressão Verbal e Escritor. Escreveu 15 livros com mais de um milhão de exemplares vendidos.

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