Dando prosseguimento à mensagem anterior da reflexão franciscana sobre o capitalismo, aqui alguns pontos que podem ajudar-nos a assumir uma posição crítica em relação ao mesmo.
37. Crítica do Capitalismo
A visão negativa do capitalismo (ver a mensagem anterior: 36. Ou Deus ou o dinheiro) não significa que se seja contra uma economia em escala mundial. Pelo contrário, um mercado de que o mundo todo participe é até mesmo um postulado direto da fé cristã e da espiritualidade franciscana: uma economia que não tenha seu núcleo central na acumulação do dinheiro mas sim na promoção da vida. Assim entendida, a economia mundial tem que servir à justiça, à solidariedade universal e à preservação da criação.
A crítica à economia capitalista já se faz ouvir até dos próprios capitalistas. Para o mega-investidor George Soros, a economia de mercado é uma crença com uma ideologia totalitária: uma doutrina que invade e monopoliza todos os setores da vida, semelhante ao comunismo, ao fascismo e a outros sistemas. Um sistema totalitário caracteriza-se pela convicção de conhecer a verdade e de saber distinguir entre o bem e o mal. O totalitarismo impõe aos outros uma opinião que não pode ser provada – aqui, a fé na força mágica do mercado.
A Igreja Católica tem criticado asperamente o capitalismo desde o século 18. Fica-se espantado ao ver quão pouco esta voz foi ouvida. Até mesmo aqueles que em geral se apóiam no cristianismo, os chamados partidos cristãos, mal tomam conhecimento dela. Poderiam ser mencionados inúmeros documentos da Igreja, todos eles merecedores de ser lidos e interpretados minuciosamente, e que vão desde a Encíclica “Rerum Novarum” de Leão XIII (1891) até à “Centesimus Annus” de João Paulo II (1991), passando pela Constituição “Gaudium et Spes” do Concílio Vaticano II e a “Populorum Progressio” de Paulo VI (1967). Todos condenam a doutrina dominante do livre comércio, que favorece apenas o forte, prejudicando o fraco.
É preciso que se chame atenção para um grave equívoco: Muitas fórmulas aplicadas pelos economistas ao capitalismo são provenientes do vocabulário religioso. As doutrinas do capitalismo são anunciadas como dogmas, suas opiniões apresentadas como promessas, os bens de consumo, inclusive a propaganda, como sacramentos, envolvidos em anseios religiosos. Por isso na América Latina fala-se também de uma "teologia do processo de produção". Para J.K. Galbraith, "assim como se deve acreditar em Deus, assim se deve acreditar também no sistema neoliberal". O progresso técnico é o caminho para o paraíso, e o maior pecado é "a tentação de ser bom", em vez de com humildade se obedecer ao mercado e a suas divinas leis.
Frente a esta "teologia" e aos seus ídolos, devemos contrapor, a partir da Bíblia, a voz profética proveniente do verdadeiro Deus:
O verdadeiro Deus: Adam Smith fala da "mão invisível" que dirige para o bem a economia de mercado. Com isto as estruturas injustas ficam envolvidas numa auréola quase divina. Mas na realidade "a mão de Deus", tal como a conhecemos a partir da Bíblia, atua de uma forma diferente: Ela liberta das estruturas injustas. Um dos nomes de Deus é Justiça, e só quem está comprometido com a justiça é que escuta a voz de Deus. Como sistema religioso, o capitalismo é idolatria.
A opção pelos fracos e pelos pobres: O capitalismo ignora que o princípio da seleção foi abolido para a esfera humana. Ao "direito" do forte, a Bíblia contrapõe o direito do fraco. A opção bíblica pelos pobres é uma voz que se opõe ao "neodarwinismo". Esta opção tem que ser posta em prática também na política econômica. Deus não está do lado do poder e do dinheiro, Ele se mostra, pelo contrário, o advogado e defensor dos pobres e excluídos.
A cultura da vida: Deus é a vida! Os bens de consumo não são tudo, eles não satisfazem às necessidades mais profundas do homem. Quando alguém enxerga o único objetivo de sua vida nas coisas materiais e nos bens de consumo, ele está por assim dizer se alimentando da morte, e há de acabar na morte. Quem não faz outra coisa senão consumir, há de ser ele próprio consumido! Pode-se ver como a própria economia provoca a morte daqueles a quem ela deveria prover do necessário para a vida. A economia só será útil ao homem quando reconhecer e respeitar como prioritárias as necessidades mais profundas do homem, em lugar de as reprimir ou sufocar.
Testemunho profético: No decorrer da história da Igreja surgiram muitas formas de vida que rejeitaram radicalmente a propriedade privada. A este número pertencem também Francisco e Clara. Eles entendem a "pobreza" não apenas como o desapegar-se interiormente das coisas, mas pretendem viver "sem propriedade". Para eles, a "apropriação" ou "acumulação" constitui como que o pecado fundamental da humanidade. Por esta razão o hino que Paulo entoa à encarnação de Deus adquire tamanha importância para a forma de vida franciscana. Paulo fala do aniquilamento (cf. Filipenses 2,5), isto é, do "auto-esvaziamento de Deus", para não ser outra coisa senão um homem entre os homens. Com sua radical vida sem propriedade, Francisco e Clara querem seguir o caminho de Jesus de Nazaré. É aqui, certamente, que se encontra o que de mais autêntico se pode dizer e esperar do movimento franciscano.
Texto de Anton Rotzetter, Com Deus nos Dias de Hoje, p. 288 ss.
Tradução e adaptação de Carlos Almeida
sábado, 2 de fevereiro de 2008
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