Para criar seus belos e nobres tipos indígenas, como Peri, Iracema ou Ubirajara, o grande romancista José de Alencar precisou recorrer a “fontes”, isto é, a escritos de autores mais antigos que conheceram os índios do Brasil e os descreveram. Merecem destaque entre estes sobretudo a carta de Pero Vaz de Caminha, o relato das viagens de Américo Vespúcio, os relatos dos missionários portugueses e franceses, e ainda os autores e artistas holandeses que conheceram o Brasil de Maurício de Nassau. Uma importância toda particular entre essas fontes cabe ao alemão Hans Staden, que entre 1548 e 1555 fez duas viagens ao Brasil, numa das quais caiu prisioneiro dos tupinambás, estando em vias de a qualquer momento ser morto e devorado por eles.
Mas Staden teve a sorte de escapar a esse trágico destino e de voltar à sua terra natal, onde logo em seguida escreveu um livro em que conta suas aventuras e desventuras. O livro de Staden possui um longo título, que soa bastante estranho aos ouvidos dos leitores de hoje, e cuja tradução portuguesa é a seguinte:
Verdadeira história e descrição de um país
de selvagens nus, ferozes e canibais,
situado no Novo Mundo da América,
desconhecido em terras de Hessen antes e depois do nascimento de Cristo
até que dois anos atrás Hans Staden de Homberg de Hessen
os conheceu de própria experiência
e agora publica através da imprensa.
Impresso em Marburg no ano de 1557
Ainda hoje o livro de Staden se destaca não apenas pelo conteúdo chocante, mas sobretudo pela linguagem simples e substanciosa, que deixa no leitor uma forte impressão de autenticidade e veracidade, como também pelas muitas xilogravuras, onde ele literalmente desempenha o papel de “repórter fotográfico” do Brasil do primeiro século da colonização (veja, acima, os índios preparando o banquete canibal de um inimigo morto). Hans Staden, efetivamente, era uma pessoa sincera e humilde. Como não tinha muita confiança nos seus dotes de escritor, encarregou um certo “Dr. Dryander” de corrigir suas descrições. O Dr. Dryander lembra que Staden não pretende criar fama com o relato das experiências que viveu na América, ou por ter sido salvo das mãos dos selvagens, mas que, com a publicação de suas experiências, ele queria “louvar e agradecer a Deus e com ânimo cristão dar a conhecer a todo mundo a graça e ajuda que lhe foi concedida, pois não desejava ser tido por um homem capaz de esquecer os benefícios de Deus!”
Para sua primeira viagem, ocorrida entre junho de 1548 e outubro de 1549, Staden alistou-se num navio português como “artilheiro”, encarregado de acionar os canhões de bordo para a caça aos piratas. Seu primeiro contato com os “selvagens” foi em Pernambuco, onde a tripulação ajudou os portugueses de Iguaraçu a defenderem-se dos selvagens caetés. A tripulação combateu também contra um navio francês próximo à terra dos “potiguaras”, pelo que, avariado, o navio teve que retornar a Portugal, chegando a Lisboa com a tripulação quase morta de fome.
Mas Staden era mesmo um espírito aventureiro: já meio ano mais tarde, em abril de 1550, embarcou novamente em um dos três navios espanhóis que se dirigiam para o Novo Mundo. O navio em que Staden havia embarcado chegou a Santa Catarina no final de novembro daquele ano, e dos outros dois um não chegou ao destino e desapareceu por completo, e o outro afundou. Impedidos de realizar o plano de chegar ao Rio da Prata e prosseguirem até Assunção, Staden conseguiu um contrato como arcabuzeiro para defender a localidade de Bertioga contra os tupinambás, amigos dos franceses.
A certa altura, num passeio pela floresta, aconteceu ele ser aprisionado pelos tupinambás, vendo-se a cada momento em perigo de ser morto e devorado segundo o ritual dos selvagens. A festa, “milagrosamente”, era sempre adiada, até que depois de nove meses ele finalmente foi acolhido num navio francês, que retornava à França carregado com pau-brasil.
No seu livro, Staden descreve minuciosamente as habilidades especiais dos selvagens aproveitando-se do ambiente em que vivem: “Como eles fazem fogo”, “Onde dormem”, “Como atiram, com destreza, animais selvagens e peixes com flechas”, “No que viajam sobre a água”. Ao descrever “Qual é a aparência dessa gente”, ele diz:
São gente bonita de corpo e figura, tanto mulheres como homens, assim como as pessoas daqui, apenas, são queimados do sol, pois todos, jovens e velhos, andam nus, e também não trazem absolutamente nada diante das vergonhas. Mas desfiguram-se a si próprios por meio de pinturas. Não têm barba, pois arrancam o cabelo da barba com as raízes sempre que ele cresce. Fazem furos no lábio inferior, nas bochechas e nas orelhas e neles penduram pedras. É este o seu adorno. Além disso, guarnecem-se de penas!” ... Entre eles não existe comércio, e também não conhecem dinheiro. Seus tesouros são penas de pássaros. Quem tem muitas é rico, e quem tem pedras bonitas para os lábios e as faces é dos mais ricos. Cada família tem seus próprios pés de mandioca para comer. ...
Com o Deus verdadeiro que criou o céu e a terra eles não se preocupam. Acreditam que segundo antigas tradições céus e terra sempre existiram. Também não sabem nada de especial sobre o começo do mundo, mas contam que uma vez houve uma grande água em que todos os seus ancestrais morreram afogados. Somente uns poucos teriam escapado em um barco, e outros no alto das árvores.
E com relação a isto Staden acrescenta sua opinião: “Penso que deve ter sido o dilúvio”.
Para alguém que sentiu a “mussurana” em torno do pescoço, e que por meses a fio esteve a ponto de ser apreciado como um petisco pelos selvagens antropófagos, o relato de Staden é de uma objetividade e sobriedade que nos parecem hoje quase inacreditáveis
Mas Staden teve a sorte de escapar a esse trágico destino e de voltar à sua terra natal, onde logo em seguida escreveu um livro em que conta suas aventuras e desventuras. O livro de Staden possui um longo título, que soa bastante estranho aos ouvidos dos leitores de hoje, e cuja tradução portuguesa é a seguinte:
Verdadeira história e descrição de um país
de selvagens nus, ferozes e canibais,
situado no Novo Mundo da América,
desconhecido em terras de Hessen antes e depois do nascimento de Cristo
até que dois anos atrás Hans Staden de Homberg de Hessen
os conheceu de própria experiência
e agora publica através da imprensa.
Impresso em Marburg no ano de 1557
Ainda hoje o livro de Staden se destaca não apenas pelo conteúdo chocante, mas sobretudo pela linguagem simples e substanciosa, que deixa no leitor uma forte impressão de autenticidade e veracidade, como também pelas muitas xilogravuras, onde ele literalmente desempenha o papel de “repórter fotográfico” do Brasil do primeiro século da colonização (veja, acima, os índios preparando o banquete canibal de um inimigo morto). Hans Staden, efetivamente, era uma pessoa sincera e humilde. Como não tinha muita confiança nos seus dotes de escritor, encarregou um certo “Dr. Dryander” de corrigir suas descrições. O Dr. Dryander lembra que Staden não pretende criar fama com o relato das experiências que viveu na América, ou por ter sido salvo das mãos dos selvagens, mas que, com a publicação de suas experiências, ele queria “louvar e agradecer a Deus e com ânimo cristão dar a conhecer a todo mundo a graça e ajuda que lhe foi concedida, pois não desejava ser tido por um homem capaz de esquecer os benefícios de Deus!”
Para sua primeira viagem, ocorrida entre junho de 1548 e outubro de 1549, Staden alistou-se num navio português como “artilheiro”, encarregado de acionar os canhões de bordo para a caça aos piratas. Seu primeiro contato com os “selvagens” foi em Pernambuco, onde a tripulação ajudou os portugueses de Iguaraçu a defenderem-se dos selvagens caetés. A tripulação combateu também contra um navio francês próximo à terra dos “potiguaras”, pelo que, avariado, o navio teve que retornar a Portugal, chegando a Lisboa com a tripulação quase morta de fome.
Mas Staden era mesmo um espírito aventureiro: já meio ano mais tarde, em abril de 1550, embarcou novamente em um dos três navios espanhóis que se dirigiam para o Novo Mundo. O navio em que Staden havia embarcado chegou a Santa Catarina no final de novembro daquele ano, e dos outros dois um não chegou ao destino e desapareceu por completo, e o outro afundou. Impedidos de realizar o plano de chegar ao Rio da Prata e prosseguirem até Assunção, Staden conseguiu um contrato como arcabuzeiro para defender a localidade de Bertioga contra os tupinambás, amigos dos franceses.
A certa altura, num passeio pela floresta, aconteceu ele ser aprisionado pelos tupinambás, vendo-se a cada momento em perigo de ser morto e devorado segundo o ritual dos selvagens. A festa, “milagrosamente”, era sempre adiada, até que depois de nove meses ele finalmente foi acolhido num navio francês, que retornava à França carregado com pau-brasil.
No seu livro, Staden descreve minuciosamente as habilidades especiais dos selvagens aproveitando-se do ambiente em que vivem: “Como eles fazem fogo”, “Onde dormem”, “Como atiram, com destreza, animais selvagens e peixes com flechas”, “No que viajam sobre a água”. Ao descrever “Qual é a aparência dessa gente”, ele diz:
São gente bonita de corpo e figura, tanto mulheres como homens, assim como as pessoas daqui, apenas, são queimados do sol, pois todos, jovens e velhos, andam nus, e também não trazem absolutamente nada diante das vergonhas. Mas desfiguram-se a si próprios por meio de pinturas. Não têm barba, pois arrancam o cabelo da barba com as raízes sempre que ele cresce. Fazem furos no lábio inferior, nas bochechas e nas orelhas e neles penduram pedras. É este o seu adorno. Além disso, guarnecem-se de penas!” ... Entre eles não existe comércio, e também não conhecem dinheiro. Seus tesouros são penas de pássaros. Quem tem muitas é rico, e quem tem pedras bonitas para os lábios e as faces é dos mais ricos. Cada família tem seus próprios pés de mandioca para comer. ...
Com o Deus verdadeiro que criou o céu e a terra eles não se preocupam. Acreditam que segundo antigas tradições céus e terra sempre existiram. Também não sabem nada de especial sobre o começo do mundo, mas contam que uma vez houve uma grande água em que todos os seus ancestrais morreram afogados. Somente uns poucos teriam escapado em um barco, e outros no alto das árvores.
E com relação a isto Staden acrescenta sua opinião: “Penso que deve ter sido o dilúvio”.
Para alguém que sentiu a “mussurana” em torno do pescoço, e que por meses a fio esteve a ponto de ser apreciado como um petisco pelos selvagens antropófagos, o relato de Staden é de uma objetividade e sobriedade que nos parecem hoje quase inacreditáveis
Texto baseado em Ingrid Schwamborn, O Guarani era um Tupi?, p. 142ss. –Tradução e adaptação de Carlos Almeida - carlostrad@uol.com.br
Enviado por Carlos Almeida Pereira, Campina Grande/Pb
Um comentário:
me chamo agnaldo de almeida lara, como saberei se faço parte desta familia almeida.. se souberem favor entar em contato.. agnaldolara@cralmeida.com.br
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