sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Com os que não veem...

O cego é um vencedor
Enfrentando a escuridão
Sempre precisando do auxílio
Do amigo e do irmão
Quando encontrá-lo na rua,
Estenda-lhe a sua mão.

Celso Florêncio


Aboletado no décimo terceiro andar de um hotel da Avenida Beira-mar, estive, recentemente, em Fortaleza. Portanto, dormindo e acordando nos braços do esmeraldino mar de minha terra natal.
Mar diferente do mar da Bahia que é de um azul profundo; e como creem os baianos, abençoado por Iemanjá, o mais querido dos seus Orixás.
Mas a Avenida Beira-mar é muito extensa, dirão os interessados em saber onde, de fato, eu me hospedei.
Saibam todos que eu fiquei na volta da jurema, de onde podia ver a praia de Iracema e as jangadinhas do Mucuripe, no seu vaivém, o dia todo, e à noite também.
Estava a dois passos da Peixada do Alfredo, o restaurante de minha preferência, desde rapazinho, onde se come um saboroso pargo, aqui na Bahia conhecido como vermelho.
Mais alguns quarteirões, e podia driblar o calor de mais de 30 graus, degustando, na sorveteria "50 sabores", um sorvete diet de cajá, com gosto de cajá.
Como veem, fiquei num dos locais mais aprazíveis e românticos da insinuante capital cabeça-chata...

*** *** ***

Nesta minha estada em Fortaleza, aproveitei para conhecer a Sociedade de Assistência aos Cegos, SAC, uma instituição modelar, presidida, com desvelo e competência, por Maria Josélia Almeida, há 50 anos vivendo-a intensamente.
Tinha que fazer essa visita. Afinal, na Biblioteca da SAC estão algumas de minhas crîonicas, em Braille, o que muito me envaidece.
A exemplo do que acontece com o Instituto Benjamin Constant, inagurado por Dom Pedro II, no Rio de Janeiro, em setembro de 1854, a Sociedade de Assistência aos Cegos do Ceará é, sem sombra de dúvida, um centro de referência, a nível estadual, nas questões relativas à deficiência visual.
Centenas de cidadãos, que nasceram cegos ou por isso ou por aquilo perderam a visão, são acolhidos nessa benemérita Sociedade, fundada em 19 de setembro de 1942.
Um acolhimento, vale ressaltar, sem qualquer tipo de discriminação ou privilégio.
Recebem assistência médica, psicológica e pedagógica, eficiente e devotada, em pé de igualdade, os ricos e os pobres que a procuram.
E saem de lá, ou lá permanecem, conscientes de que uma pessoa, por ser cega, não perde a cidadania.
Na SAC, pois, inclusão é a palavra de ordem.
Comoveu-me ver como a Sociedade dá integral assistência a dezenas de criancinhas cegas, a maioria de pequenos recursos financeiros.
Todas têm atendimento médico, escolar, e alimentar, nos dois turnos.
E o mais importante: ouvem dos que fazem a instituição, que eles são úteis e capazes como qualquer cidadão, tudo obedecendo um moderno processo que promove a inserção social do deficiente visual.

*** *** ***

Enquanto percorria as dependências da SAC - suas salas de aula, de recreio, seu restaurante e sua Biblioteca -, e diante da realidade de cada cego que de mim se aproximava, lembrava-me quão frágeis sãos os versos do poeta Vicente de Carvalho, que aqui transcrevo: "Ver é o supremo bem...E eu insisto em cismar/ se a alma será, talvez, uma função do olhar./ Cegos, nunca saibais verdade tão dorida/ para a cegueira: o olhar vale mais do que a vida!"
Os que não veem também vivem, e bem.

*** *** ***

Se algum dia esta crônica cair nos "olhos" de uma pessoa cega, peço-lhe que se lembre da figura de um dos maiores oftalmologistas deste país: o doutor José Cardoso de Moura Brasil. (Recorda-se, por acaso, o leitor do colírio Moura Brasil? Ardia, paca!)
Tão competente e caridoso foi este especialista que, volvidos tantos anos de sua morte (10.01.1929), ele ainda é reverenciado tanto pelos que veem como pelos que não veem.
Humberto de Campos, descrevendo-lhe o perfil, diz que o nome desse famoso médico cearense "enchia o país". E que a sua popularidade se estendia "dos seringais do Amazonas às coxilhas do Rio Grande do Sul".
Que o espírito e o exemplo do doutor Moura Brasil - e aqui, em pensamento, presto uma homenagem aos médicos da SAC; os de ontem e os de agora - que o espírito e o exemplo, redigo, desse saudoso oculista conterrâneo esteja em cada canto da Sociedade de Assistência aos Cegos de minha terra, que, com alegria e orgulho, acabo de conhecer.

Notas - 1) Os versos que abrem esta crônica os tirei de um poema de Celso Florêncio do Nascimento, um cego assistido pela SAC.
- 2) Amanhã, 14 de outubro, é o Dia Mundial da Visão. Hoje, faltam recursos para combater a cegueira. Principalmente nos países menos desenvolvidos onde vivem 90% dos cegos!

Felipe Jucá
Fonte: http://www.felipejuca.com/visualizar.php?idt=3274470

5 comentários:

Zandrojr disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anônimo disse...

13/10/2011 17:54 - ana maria braga
Realmente, nossa terrinha tem uma porção de coisas boas..rs. A SAC é um exemplo de instituição séria. Josélia é uma dirigente como poucas. Tenho grande admiração por essa Instituição, que já tive o prazer de ser homenageada. Muito boa a sua crônica, Jucá. Volte sempre.

Anônimo disse...

Com os que são vistos por nós...


Nossas portas abertas, por onde passam aqueles que são vistos por
nós como seres diferenciados, que enxergam a luz em um mundo tão
escurecido pela indiferença e ingratidão, colocam a Sociedade de
Assistência aos Cegos na visibilidade do trabalho feito com amor,
responsabilidade e honestidade. Desta forma, a generosidade daqueles que
nos visitam e que sinceramente escrevem nas crônicas os sentimentos
recolhidos com os que não veem, muito nos lisonjeia e nos fortalece para
continuarmos fazendo a nossa parte. Agradecemos penhoradamente ao Felipe
Jucá e esposa pelo que escreveram sobre a SAC.


Maria Josélia Almeida

Lucas Almeida disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Lucas Almeida disse...

Ótimo texto, quero parabenizar o autor Felipe Jucá e também elogiar a SAC e sua administradora, Josélia Almeida.