quinta-feira, 27 de maio de 2010

A arte de ser paciente

Tanta impaciência torna os dias pesados e nos rouba a oportunidade de avaliarmos nossos passos. Está na hora de brecar essa roda-viva!

Por Patrícia Affonso - Revista Vida Natural




É fim de tarde e o cansaço já está batendo forte. "Pelo menos acabou o expediente", você pensa, enquanto segue aliviado rumo ao estacionamento. Lá, pede ao manobrista para trazer o seu carro. "Aquele vinho, na vaga da direita", aponta. Ele demora e você já começa a bater o pé, cheio de ansiedade.

Finalmente, o rapaz chega... Mas com o carro errado. Então, ele faz todo o percurso novamente, sem aparentar a menor urgência. Sua vontade é falar umas boas, mas se segura e entra no carro, pegando o caminho para casa.

Ao dobrar a esquina se depara com um enorme engarrafamento. Não bastasse a lentidão, buzinas ecoam para todos os lados. A impressão é que sua cabeça vai explodir.

Uma boa ideia seria fechar os vidros, ligar o som com seu CD preferido e se desligar do caos lá de fora. Mas quem consegue? Parece automático: a gente perde as estribeiras, buzina com a multidão de carros, troca palavras nada amigáveis com o motorista ao lado e ainda reclama do coitado do pedestre, que pede licença para atravessar a rua.

É a tal da impaciência, um dos males da modernidade. Perdemos o respeito sobre a forma de viver do outro. "Tem de ser tudo à nossa maneira, tudo para agora, como se fosse possível fazer de um minuto menos do que 60 segundos", afirma a psicóloga e pedagoga Elizabeth Monteiro, de São Paulo. Para ela, nos dias de hoje, nossa ansiedade é tamanha que nem paramos para analisar o porquê de tanta irritação, pressa e estresse. Afinal, onde tudo isso nos leva?

Um tiro no próprio pé

Se depois dessa breve reflexão você chegou à conclusão de que tamanha impaciência não nos leva a lugar algum, acertou em cheio. Muito mais do que prejudicar o outro, que vira alvo de nossa ira e julgamento implacável, ser impaciente traz prejuízos para nós mesmos. Você já percebeu que quando estamos nervosos até mesmo a mais simples das tarefas torna-se difícil e trabalhosa? É que com a cabeça quente, tudo se complica. Perdemos a mão das coisas, ficamos críticos demais, e a solução escapa por entre os dedos. O antídoto? Aceitação.

"É preciso ter consciência de que nada adianta a indignação contra o que não concordamos. O fato, em si, já existe. O melhor é aceitar essa condição, manter o eixo e, assim, encaminhar a situação no rumo dos nossos propósitos", pondera Miguel Perosa, professor da Faculdade de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
Ter paciência é isso: confiar no poder do tempo e na transformação constante de tudo o que nos cerca. O ser paciente entende que todo o processo matura com o tempo e que a mudança é possível. "O escritor Guimarães Rosa sabiamente já dizia: tudo o que existe carece e se merece", completa o psicólogo.
Então, para que se desesperar e colocar a carroça à frente dos bois? Dê tempo ao tempo. É com jeitinho que aprendemos a lidar com os fatos, contornar as adversidades e nos tornamos pessoas mais experientes


A dádiva da diversidade

Se controlar o senso crítico com nós mesmos é um grande desafio, imagine só quando o foco é o outro. Verdade seja dita: é muito mais fácil notar as falhas e defeitos do vizinho do que as nossas próprias limitações.
Aceitar que temos pontos fracos é o primeiro passo para exercitar a paciência e tornar a convivência em grupo mais saudável e proveitosa. "É preciso tolerar os próprios erros para poder tolerar os dos outros. E mais do que isso, temos de aceitar que cada pessoa tem o seu próprio ritmo", destaca Elizabeth Monteiro.

Portanto, nada de criar caso com sua mãe, que demora horas para encaminhar um e-mail. Não é porque algo é muito simples para você que não pode confundir alguém. O mundo é feito de diferenças, que podem ser valiosas se bem-aproveitadas. Todos têm algo a aprender e a ensinar também. Basta se permitir. Que tal abrir os olhos para as qualidades e talentos de quem convive com você em vez de viver esperando um deslize, para soltar suas feras? Paciência e generosidade caminham juntas.

Questão de equilíbrio

Há também aqueles que pecam pelo excesso e confundem ser paciente com ser permissivo. Para não gerar atritos, esse tipo de pessoa começa a aceitar tudo o que acontece, mesmo que não seja do seu agrado. Um preço muito alto a se pagar, já que a serenidade alcançada é pura fachada. Quando está sozinho, é ele quem sofre ou até explode por conta dos abusos ao qual se submeteu. "Esse tipo de comportamento não é típico de alguém paciente, mas sim de quem não tem uma autoestima bem-estruturada e é muito carente. Pessoas assim não contrariam os outros, achando que dessa forma serão aceitas", alerta Elizabeth Monteiro.

Quem é paciente pode, sim, discordar de algo e propor ou- tra saída. O segredo está em como fazer isso: sem explosão, sem perder a cabeça ou o sono. "Sempre há um momento certo para agir e se colocar. É preciso saber esperar e reconhecer essa oportunidade", diz a psicóloga. Como dizem por aí, o tempo é o senhor da razão. Faça sua parte e deixe-o agir, sem atropelar os fatos. "Pare de pensar que qualquer momento de espera é uma perda de tempo", sugere Perosa.
É preciso dar um passo de cada vez, avaliar o melhor caminho, considerar possibilidades e riscos, entender o que cada situação pede. Para isso, basta uma boa dose de paciência. É essa aliada que nos ajuda a colocar o curso da vida ao nosso favor, sem se exceder ou se desgastar demais. A recompensa é uma vida com mais leveza e equilíbrio.


Trabalhando a mudança
Mesmo os "esquentadinhos" podem tornar-se mais pacientes. E para começar, basta adotar pequenas medidas no dia a dia. Comece já!

Não caia na paranoia de resolver tudo ao mesmo tempo. Tenha prioridades e vá, aos poucos, se livrando da lista de coisas que tem a fazer. Sem desespero, com foco e organização, dá sim para chegar lá!

Antes de perder a linha por algo que aconteceu e não foi do seu agrado, respire fundo e conte até dez. Em seguida, reflita: dá para mudar a situação? Não? Então pare de sofrer e ocupe a mente com outra coisa. Se der, mãos à obra! Deixe de pensar no problema e busque uma solução.

Pare de tentar adiantar o relógio. Uma flor precisa de tempo para desabrochar. A semente leva dias e até meses para germinar. Isso vale também para os acontecimentos do cotidiano. Ou você nunca ouviu que quem tem pressa come cru?

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