sábado, 17 de maio de 2008

O ato coexistencial do amor

O texto da presente mensagem já foi, em substância, remetido anteriormente (mensagem no. 12: Amor a 3 dimensões". Ele retorna agora mais completo, porque foi objeto de reflexão em nosso grupo de leitura, tendo-se demonstrado como altamente substancioso. Espero que os amigos não fiquem irritados com a repetição. Já se dizia, no seminário de Ipuarana, que "repetitio est mater studiorum", sem a repetição o estudo morre de inanição.
Um abraço a todos!

Carlos Almeida Pereira, Campina Grande/Pb

O A m o r não é simplesmente um meio para obter prazer e satisfazer uma necessidade pessoal. Como ser tridimensional (físico-psíquico-espiritual), a pessoa humana que ama pode apreender outra pessoa na mesma tríplice dimensão, isto é, em toda a extensão de sua “existência”. Por isso dizemos que o amor é um “ato coexistencial”, porque liga uma existência a outra. Mas ele pode permanecer numa relação em duas, ou mesmo em apenas uma dimensão. Nesse caso pode-se chegar a um contato físico e psíquico, mas não a um ato coexistencial.
A relação unidimensional consiste em um interesse meramente sexual no parceiro, despertado por sua atratividade corporal. Já um envolvimento bidimensional apresenta uma relação com a estrutura psíquica do parceiro, cujas qualidades, comportamentos e irradiação despertam a emocionalidade, ou a "paixão". Mas até aqui o parceiro ainda pode ser trocado ou substituído por outro que tenha qualidades ou comportamentos semelhantes. Só o amor “verdadeiro” penetra até o âmago da outra pessoa, toma consciência de seu núcleo essencial e inconfundível. É o espírito apreendendo o espírito.
A pessoa que ama dessa maneira já não está excitada em sua dimensão corporal, nem estimulada em sua dimensão psíquica, mas sim tocada em sua profundidade espiritual: tocada pelo portador espiritual da corporalidade e do psiquismo do parceiro, por seu núcleo pessoal. Amor, então, é o estar voltado diretamente para a pessoa espiritual do amado, no que ela possui de único e irrepetível. Àquele que se envolveu sexualmente, ou ao apaixonado, agrada uma característica corporal ou uma propriedade psíquica no parceiro, portanto uma coisa que essa pessoa tem. Mas aquele que ama não ama somente alguma coisa na pessoa amada, mas sim a própria pessoa; portanto, não algo que a pessoa amada tem, mas o que a pessoa é.
Não se quer afirmar que não se possa vez por outra estar apaixonado, mas sim que, quando nunca se chega a uma relação mais profunda entre duas pessoas, está faltando na vida do homem uma grande área de realização. (A não ser que se renuncie a isto voluntariamente, seja com o fim de intensificar uma relação transcendente mais intensa, ou de ficar “livre” para o serviço do próximo, duas coisas que implicam também uma proximidade espiritual a um Alguém, embora sem expressão corporal, e que por isso representam uma área semelhante de realização.) Isto significa, para a pessoa individual, que
- ou ela estacionou no estágio do interesse puramente sexual, o que limita seu campo de percepção e vivência ao instinto sexual e sua ab-reação, ou
- que ela estacionou na veneração de um tipo anônimo de parceiro, e sempre de novo “deixa-se apanhar” por quem pertencer a esse tipo.
Para o casamento isto significa ainda que:
- o casamento está relativamente pouco exposto a crises quando cada parceiro encontra o outro no mesmo degrau do amor, e sobretudo que a melhor situação é aquela em que o encontro se dá no degrau mais elevado do amor verdadeiro, mas que
- hão de ocorrer crises, principalmente relações infelizes ou irrealizadas, e bloqueios sexuais, quando os parceiros encontram um ao outro em degraus diferentes do amor.
As parcerias matrimoniais correm maior risco quando se questiona que um parceiro de amor não pode ser trocado, ou que uma relação de amor tem que ser permanente. Para o verdadeiro amor, tal questionamento é inconcebível. Pois os estados corporais são passageiros, as atitudes de sentimento não permanecem, mas os atos espirituais sobrevivem de certa maneira a si próprios. O amor a outra pessoa, como se sabe, sobrevive até à morte dessa pessoa.
Uma das grandes tarefas da pedagogia é ajudar para que se supere o estágio do puro interesse sexual e da simples paixão, e que as pessoas cresçam até ao plano do amor verdadeiro. Quando isto acontece, a pessoa está capacitada também para a fidelidade (o parceiro não pode ser trocado) e para a estabilidade (a relação de amor é permanente), e nas condições normais surgirá por si mesma uma vida sexual sadia.
O homem moderno, apesar de toda sua presunção, sente-se tão inseguro que tem necessidade de que lhe sejam novamente reveladas as coisas mais simples e naturais que constituem a sabedoria da vida, mesmo as que já se acham incorporadas ao tesouro da humanidade. Muitas vezes ele não sabe o que quer. Não sabe o que fazer com seu tempo livre, e isto constitui um inacreditável atestado da penúria do nosso tempo. Nem sabe como educar os filhos, como o mostra a grande confusão reinante entre os pais de hoje. E por último não sabe mais o que é amor.
Precisamos, pois, aprender novamente a amar. Este “aprender a amar” pode receber um empurrãozinho de fora, se deixarmos de ficar indiferentes e de nos conformarmos com as atitudes erradas, passando a discuti-las.
Consideramos o amor autêntico e verdadeiro como uma condição prévia da sexualidade humana. Pois sabemos que a sexualidade não pode ser bem sucedida quando esta condição estiver ausente. Mas quando consideramos toda esta “onda de sexo” que varre os povos, quando cresce a massa de informações sobre práticas sexuais, o que é um sinal inconfundível de que anda mal a sexualidade praticada, quando vemos tudo isso, temos a certeza de que toda uma geração não soube encontrar o amor.

[Fonte: Elisabeth Lukas, Prevenção Psicológica, p. 124 ss.]





Põe-me como um selo sobre teu coração,
como um selo sobre teu braço!
Porque é forte o amor como a morte,
e a paixão é violenta como o abismo.
Suas centelhas são centelhas de fogo,
labaredas divinas.
Águas torrenciais não conseguirão apagar o amor,
nem rios poderão afogá-lo.
Se alguém quisesse comprar o amor
com todos os tesouros de sua casa,
se faria desprezível.

Cantares 8,6-7

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