O neurocientista Ivan Izquierdo fala sobre novas pesquisas envolvendo a memória dos idosos e sobre como a leitura pode ajudar a aumentar a durabilidade das lembranças
FLÁVIA MANTOVANI ENVIADA ESPECIAL A BENTO GONÇALVES (RS) - Folha de São Paulo
Por que muitos idosos têm dificuldade para saber o que comeram no dia anterior, apesar de se lembrarem com detalhes de fatos da infância? A resposta pode estar em quatro letrinhas: BDNF, uma proteína que, segundo estudos recentes, tem papel fundamental na persistência das memórias.
Líder do grupo que faz essas pesquisas, o neurocientista Ivan Izquierdo é um dos principais estudiosos da memória do mundo. Coordenador do Centro de Memória da PUC-RS, ele falou sobre o tema no 4º Congresso Brasileiro de Cérebro, Comportamento e Emoções, realizado em Bento Gonçalves (RS) na última semana.
À Folha, Izquierdo falou sobre suas descobertas e citou estudos que buscam uma droga que melhore a falta de persistência -sobre os quais ainda não pode revelar detalhes porque estão em andamento. Enquanto não se descobre um remédio que aumente a durabilidade das lembranças, é possível driblar o problema com um hábito que, segundo ele, é o melhor para estimular a memória: a leitura. "Quando lemos, fazemos um scanner do universo inteiro que o cérebro conhece."
Folha - O que os estudos têm mostrado sobre o papel da BDNF no mecanismo da memória? Ivan Izquierdo - Ela atua na persistência, na duração das memórias. Cerca de 12 horas depois da aquisição de uma memória, essa proteína é produzida e liberada no hipocampo [uma região do cérebro]. Sem ela, a memória grava, mas não dura. Provavelmente é isso que acontece quando envelhecemos. Essa falta de persistência é característica da memória dos idosos, que se lembram de fatos da infância, mas não de coisas atuais.
Folha - Nos idosos, então, há uma falha na produção de BDNF?
Izquierdo - Seguramente há um problema nos mecanismos ligados à BDNF, não sabemos se na produção e liberação ou se nos passos anteriores a isso.
Folha - Mas pessoas jovens também sofrem de falta de persistência.
Izquierdo - Todos temos falta de persistência em algum momento. Mas é mais notório na idade avançada. É uma característica da idade, não tem significado patológico. Todas as funções corporais declinam com a idade, mas podem melhorar.
Folha - Como podemos exercitar a memória?
Izquierdo - A melhor forma é lendo. A leitura envolve memória visual, verbal, relação com o contexto, tudo isso processado em milissegundos. Quando lemos, fazemos um scanner do universo inteiro que o cérebro conhece. Não há nenhuma outra atividade cerebral que chegue perto disso. Fazer palavras cruzadas, por exemplo, ajuda, mas ler ajuda muito mais. A prova disso é que as pessoas que mais lêem, que são os professores e os atores, são os que têm melhor memória. Quando eles têm doença de Alzheimer, a têm mais tardiamente, e, na fase inicial, de forma mais leve. Uma pessoa que tinha uma grande memória e depois a perdeu foi o presidente [Ronald] Reagan, dos EUA. Ele tinha essa capacidade porque era ator, não por ser um homem inteligente.
Folha - Inteligência e memória não são sinônimos, certo?
Izquierdo - Não. Inteligência abrange memória. Mas é mais inteligente uma pessoa que tem uma agenda com telefone de quem possa informá-la de algo do que alguém que tenta se lembrar de tudo, porque não vai conseguir nunca.
Folha - Por que a memória melhora quando é exercitada?
Izquierdo - Todas as funções que envolvem sinapses melhoram com o uso. Isso é facilmente perceptível nas funções atléticas. Os músculos de um goleiro funcionam melhor na hora de dar um pulo do que os de uma pessoa sedentária. A estimulação repetida de um nervo melhora o tamanho e a função dele. Já a falta da estimulação faz com que ele atrofie. O mesmo acontece com a memória. Aquelas pessoas que nunca aprendem nada perambulam por aí como fantasmas. A forma de evitar isso é aprender, ler.
Folha - Os estudos com a BDNF foram feitos com animais. Há previsão de estudos com humanos?
Izquierdo - Tudo o que sabemos de memória que tem interesse prático foi feito em animais. Os estudos envolvem a colocação de cânulas para injetar drogas, análises do tecido cerebral, o que é impossível em humanos. Nos humanos, podemos fazer outros tipos de teste. Agora, por exemplo, estamos fazendo estudos com humanos idosos e não idosos para ver se há algum remédio psiquiátrico que possa melhorar a falta da persistência. Estamos na fase de finalização dos resultados.
A jornalista Flávia Mantovani viajou a convite do 4º Congresso Brasileiro de Cérebro, Comportamento e Emoções
quinta-feira, 29 de maio de 2008
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