segunda-feira, 14 de abril de 2008

Temperamento e Personalidade

Enviado por Carlos Almeida Pereira, Campina Grande/Pb

Fonte: Elisabeth Lukas, Lehrbuch der Logotherapie

Quando se reduz a dimensão espiritual do homem à dimensão psíquica, surgem os vários mal-entendidos com que viemos nos ocupando: o pandeterminismo, o psicologismo e o reducionismo. Concluímos esta série ocupando-nos com um último erro pertencente a essa família, o coletivismo.
É muito comum classificarmos as pessoas pelo seu temperamento. Mas duas pessoas podem ter o mesmo temperamento (e até a mesma herança genética), mas nunca são iguais. Cada pessoa é sempre um indivíduo próprio, irrepetível. O temperamento de uma pessoa (às vezes chamado também de “caráter”) é a soma das qualidades inatas e adquiridas por essa pessoa. Ele faz com que a pessoa pertença a um determinado tipo: apaixonado, colérico, sentimental...
Temperamento não depende de escolha pessoal. Ele faz parte da dimensão psíquica do homem. Confere uma inclinação para determinados comportamentos, mas não uma inclinação definitiva. Mas a personalidade está localizada na dimensão espiritual. Representa o que a pessoa fez de si mesma. Está relacionada com as decisões livremente tomadas durante a vida. É a personalidade que determina de forma decisiva o comportamento de alguém.
Poderíamos dizer que o temperamento é o “ser que foi criado”, ao passo que a pessoa espiritual é “o ser que cria”. Por isso se diz em logoterapia que a pessoa “não deve tolerar tudo de si própria”. O homem “tem” um temperamento, mas ele “é” uma pessoa, e “torna-se” uma personalidade.
Pessoas com disposições genéticas idênticas podem perfeitamente seguir caminhos muito diferentes, mesmo em condições ambientais muito semelhantes, como é bastante conhecido pelo estudo dos gêmeos. Freqüentemente podemos deparar-nos com crianças de famílias boas e honestas que não obstante têm mais tarde um mau desenvolvimento. E vice-versa.
Que é o homem? O homem é o ser que sempre decide o que ele é. No homem tudo pode ser encontrado, anjo e demônio. Ele é o ser que inventou as câmaras de gás; mas é também o ser que marchou para as câmaras de gás com a cabeça erguida e com uma oração nos lábios. Em cada um de nós tudo está sempre presente.
A liberdade espiritual do homem permite que ele em certa medida se distancie de si próprio, de suas inclinações, de seus condicionamentos e traços de caráter. É nisto que se fundamenta a capacidade humana para o autodistanciamento, que (assim como a autotranscendência) pode ser aproveitada para fins de cura. O autodistanciamento é um fenômeno do plano noético do homem, que não pode adoecer.
Fazemos distinção entre o âmbito são e o âmbito doentio da pessoa: o âmbito são é constituído pela parte espiritual (que não pode adoecer) mais a parte sã da dimensão psíquica, e o âmbito doentio é constituído pela parte doentia de sua psique. O objetivo mais importante da logoterapia é reforçar e ampliar o âmbito “são” do paciente, aproveitando as forças nele contidas para conviver de forma correta com o âmbito doentio. A ação terapêutica consiste em fazer com que o âmbito são conquiste espaço à parte doentia. A psicoterapia tradicional prefere ocupar-se com a parte doentia, procurar diminuí-la; ela argumenta que isto é a mesma coisa que ampliar o âmbito são da pessoa. Mas de fato não é a mesma coisa. Num dos casos o terapeuta “está voltado” para o que é doentio no paciente, no outro para o que é são.
Mas qualquer pessoa que tenha conhecimento do trabalho terapêutico sabe como é grande é a influência exercida pelo terapeuta sobre o paciente. O que o terapeuta pensa e sente, flui para o mundo de idéias e sentimentos do paciente. Por isso, quando o terapeuta se concentra sobre o que basicamente está intacto no espírito humano, sobre a orientação para o sentido e sobre a personalidade especial de cada um, mais cedo ou mais tarde nós iremos ter pacientes que já não se deixam levar por suas perturbações e confusões, porque – graças à irradiação do terapeuta – eles sentem que o homem é capaz de colocar-se acima de si próprio, que a cada dia ele decide o que há de ser no dia seguinte, e que mesmo as doenças mais graves não podem atingir senão um setor parcial, jamais conseguindo destruir sua dignidade. Aquele que chegar a sentir isso terá dado um gigantesco passo em direção à saúde.
Cabe lembrar aqui o perigo do “coletivismo”. São os julgamentos do tipo: “Todos os estrangeiros são orgulhosos”, ou: “Os negros são mal-cheirosos”. Faz-se um julgamento ou prognóstico sobre as pessoas unicamente pelo fato de pertencerem a determinada raça ou temperamento.
Quem pensa assim é por demais comodista para levar em consideração a personalidade dos outros. Esquece que a origem genética predispõe constitucionalmente a pessoa, confere-lhe determinadas disposições, mas que em última análise o que importa é o que essa pessoa faz ou deixa de fazer com suas predisposições. O “fazer-se” é um ato de configuração pessoal, não pode ser deduzido a partir de nenhum tipo ou raça, mas surge da dimensão noética. Por isso a visão coletivista não “bate”. O homem não é previsível nem calculável, ele não pode ser avaliado por suas qualidades hereditárias.
O coletivismo é perigoso também no tocante à avaliação de si próprio. O erro do neurótico é acreditar que possui um determinado caráter, e que por isso não pode comportar-se de outra maneira a não ser de acordo com seu caráter. Este erro abre portas e portões para a perturbação psíquica. Sempre que fala do seu jeito pessoal de ser, o neurótico se inclina a agir como se este jeito de ser excluísse a possibilidade de ser diferente. Ao constatar em si alguma propriedade de caráter, ele acha que se trata de uma obrigação – que ele simplesmente é assim, e que por isso não pode comportar-se de outra maneira ...
O coletivismo, com suas diferentes nuances, é o exemplo perfeito das formas de pensamento que reduzem o espiritual ao psíquico, ou que derivam o psíquico do espiritual.



O Senhor é compassivo e clemente,
lento para a cólera e rico em misericórdia.
Não está sempre acusando
nem guarda rancor para sempre.
Não nos trata segundo nossos pecados
nem nos paga segundo nossas culpas.
Quanto se elevam os céus sobre a terra,
tanto prevalece sua misericórdia pelos que o temem.
Quanto dista do Oriente o Ocidente,
tanto ele afasta de nós os nossos delitos.
Como um pai sente compaixão pelos filhos,
assim o Senhor se compadece dos que o temem.
Salmo 103

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