Fonte: Elisabeth Lukas, Lehrbuch der Logotherapie
45. Prazer ou sentido?
Encontrar o sentido de suas ações, o sentido de sua vida, constitui a necessidade básica de todo ser humano. Quem se negar a admitir este fato será levado a interpretar todos os motivos como expressão de alguma necessidade instintiva. Esta é mais uma maneira de se reduzir a dimensão espiritual à dimensão psíquica. Recebe o nome de “reducionismo”.
A logoterapia não concorda com a mentalidade usual, segundo a qual a felicidade consiste na satisfação das necessidades. Pois, se levarmos em conta a dimensão noética do ser humano, felicidade é a realização interior do sentido. Por uma tarefa percebida como possuindo sentido as pessoas dispõem-se a aceitar renúncias e a deixar suas necessidades sem ser satisfeitas. Na busca do sentido, o bem-estar corporal e psíquico não desempenha papel muito importante. Mas o fracasso na busca do sentido não pode ser compensado por nenhuma satisfação psicofísica.
Na década de 1930 ocorreu uma mudança na visão do ser humano, provocada pela logoterapia. Viktor Frankl chegou à conclusão de que o homem não tem necessidade unicamente dos meios e recursos para viver, mas também de um objetivo para a sua vida. Nos períodos em que predominaram a penúria e a necessidade, as pessoas se interrogavam: “Que é que eu devo fazer para viver?”. Mas na era do bem-estar essa pergunta foi substituída por outra: “Eu vivo para fazer o quê?” O viver passou a ser uma coisa natural e evidente, mas o “para-quê” da vida passou a ser a questão mais importante.
Podemos perceber aqui o “antagonismo noo-psíquico”: a oposição entre os princípios “homeostático” e “noo-dinâmico”. O princípio homeostático (dos animais, ou do plano bidimensional do homem) diz que as exigências instintivas – fome, sede, frio, desejos sexuais, necessidade de segurança... - clamam por ser satisfeitas, a fim de que o ser vivo recupere o equilíbrio interior. Uma vez conseguido isto, ele repousa em si mesmo, até que outro impulso instintivo o leve novamente a movimentar-se. O “aguilhão” que o leva a empreender alguma coisa é a manutenção do equilíbrio interior – da “homeostase”. Sem esse aguilhão não se chega a nenhuma ação.
Este princípio é válido no reino animal, mas não se aplica sem mais nem menos ao ser humano, um ser “também espiritual”. Para o homem, a satisfação dos instintos nada possui de tranqüilizador, ou de interiormente satisfatório. Logo surge um sentimento de vazio, uma sensação de tornar-se supérfluo, de não ter objetivo: “Que se há de buscar, quando todas as necessidades tiverem sido satisfeitas?”. As pessoas percebem que a existência ficou esvaziada.
Até hoje a higiene psíquica tem sido dominada pelo princípio errôneo de que o homem necessita de tranqüilidade e equilíbrio interior a qualquer preço. Mas o homem tem necessidade de muito mais do que isso, como ficou comprovado. Ele necessita de uma certa tensão sadia e bem dosada. Por exemplo, a tensão de ter uma tarefa a cumprir. E sobretudo de encontrar um sentido para sua existência – uma tarefa cuja realização depende dele, que só pode ser realizada por ele e por ninguém mais. Longe de prejudicar a saúde psíquica, esta tensão – que recebe o nome de “tensão noo-dinâmica” - favorece a saúde da alma. “Ser-pessoa” significa encontrar-se na tensão entre o ser e o dever! É buscar o sentido, a realização de valores, dedicando-se a uma tarefa ou a outras pessoas; buscar os valores objetivos no mundo exterior. Isto leva à superação do ego e à autotranscendência.
No princípio da noo-dinâmica considera-se sadia a pessoa que se sente colocada entre o ser e o dever, entre a situação presente e uma situação modificada para melhor. Não se trata de nenhum “dever” imposto por alguém, mas sim de um dever de que a própria pessoa tornou-se consciente, de um objetivo que clama por ser realizado. A consciência começa a perceber uma tarefa concreta, que “de forma exclusiva” está à espera dessa pessoa, pois ninguém mais poderá realizá-la nesse momento, na mesma medida ou com a mesma qualidade que ela. “O ser” é a realidade que percebemos, e “o dever“ é o ideal que desejamos alcançar.
Esta tensão confere direção ao agir humano. Consideremos um jovem que estuda de medicina: Ele não está comprometido com outra profissão, conta com o apoio dos pais, está consciente da multidão de pessoas doentes necessitadas de tratamento – este é o pólo do “ser”. O pólo do “dever” é a vontade de tornar-se um médico competente, de assumir a luta contra a doença e a morte prematura dos seus semelhantes. Envolvido nesta relação de tensão, ele dedicar-se-á com toda intensidade aos estudos.
No princípio da noo-dinâmica sempre está envolvido um valor do mundo exterior, como a criação de uma obra, a fundação de uma família, a construção de um abrigo, a obtenção de um emprego, o melhoramento das condições políticas. Já o princípio da homeostase ocupa-se exclusivamente com o Eu. Para a logoterapia, a “vontade do sentido” é a motivação decisiva – e se não o for, a pessoa adoece.
Como a tensão noo-dinâmica leva à superação do Eu, a pessoa também precisa ser capaz de ultrapassar-se a si própria. Esta capacidade recebe o nome de “autotranscendência”. A autotranscendência é vista como o grau mais elevado do desenvolvimento humano: o potencial, especificamente humano, de pensar para além de si próprio, de “existir para algo ou para alguém”, de dedicar-se a uma tarefa, de voltar-se para os outros.
Nenhuma outra escola de psicoterapia chegou a perceber que aquilo que convém ao homem é algo que se encontra fora dele próprio. Todas as outras motivações psicológicas circulam substancialmente em torno do EU. Na mentalidade reducionista, o amor dos pais aos filhos “nada mais é do que” amor próprio: os pais estariam procurando satisfazer nos filhos seus instintos paternais. A amizade entre duas pessoas do mesmo sexo “nada mais é que” uma sublimação das tendências homossexuais. Tais modelos de interpretação só podem representar uma grande desvalorização dos ideais espirituais. Como foi possível chegar-se a tal “redução” da imagem do homem? Resposta: Projetando fenômenos noéticos no plano subnoético, ou seja, projetando fenômenos humanos no plano sub-humano. Deixar de reconhecer a orientação existencial do homem para o sentido equivale a degradá-lo, a desumanizá-lo.
Um fariseu convidou Jesus a ir comer com ele. Jesus entrou em sua casa e se pôs à mesa. Uma mulher, que era pecadora na cidade, quando soube que estava à mesa em casa do fariseu, trouxe um vaso de alabastro cheio de perfume e se pôs atrás dele, junto aos pés, chorando. E começou a banhar-lhe os pés com as lágrimas e enxugá-los com os cabelos da cabeça; beijava os pés e os ungia com o perfume. Ao vê-lo, o fariseu que o tinha convidado disse de si para si: Se ele fosse profeta, saberia quem e que espécie de mulher é esta que o toca, pois é uma pecadora. ... E Jesus disse à mulher: A tua fé te salvou, vai em paz.
Evangelho de Lucas 7,36-49
Carlos Almeida Pereira, Campina Grande/Pb
sábado, 5 de abril de 2008
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