Respondendo a uma pergunta que lhe foi feita, Jesus disse que o maior mandamento é “amar a Deus de todo o coração; e que o segundo é semelhante ao primeiro: amar o próximo como a si mesmo” (cf. Evangelho de Marcos 12,29-31). A resposta dada aqui por Jesus não se refere a uma religião em particular. É uma norma de comportamento que se aplica a todos os seres humanos, de qualquer raça, origem ou religião, porque tem como base existencial a própria natureza humana.
Observemos que a resposta de Jesus envolve três “amores”: o amor a Deus, o amor ao próximo, e o amor a si mesmo. E sentimo-nos inclinados a afirmar que é este último que serve de base para tudo. Pois a medida do meu amor ao próximo é o amor a mim mesmo – e se eu não tiver amor a mim mesmo também não terei condições de amar a Deus.
Amar a si mesmo – não nos soa isto um tanto estranho, como uma atitude egoísta e condenável, uma espécie de egolatria? Mas não se pode contestar que o amor a si mesmo faz parte da vida, fundamenta-se na própria natureza. Não é verdade que todas as criaturas vivas buscam realizar e manter a própria vida, o próprio bem? A flor, o inseto, os grandes e pequenos animais – todos eles, por natureza, estão empenhados em conservar e promover a própria existência. O mesmo se pode afirmar do ser humano, seja ele homem ou mulher, criança ou adulto. Na verdade, o que merece ser condenado não é o amor a si mesmo mas sim o amor excessivo ou desordenado à própria pessoa.
Para chegar, pois, ao amor ao próximo e ao amor a Deus, deve o homem começar por amar a si próprio. Já desde pequeno, a própria natureza o leva a ir em busca do que ele necessita para viver e desenvolver-se. A fase infantil, como facilmente se pode observar, está voltada em grande parte para a aquisição das habilidades e conhecimentos de que o ser humano tem necessidade para crescer – para “ter mais vida” –, e isto não apenas do ponto de vista físico e psíquico.
À medida que caminha para a maturidade, o ser humano vai crescendo também na dimensão espiritual. Adquire raciocínio e conhecimento, equilíbrio e sensatez, liberdade e responsabilidade. De maneira crescente e consciente passa a buscar o sentido de suas ações, a conferir um sentido à sua vida. E pode-se dizer que ao longo de toda a vida ele experimenta o impulso e a necessidade de “viver sempre mais”, de inserir-se de forma produtiva na família humana – é esta a tarefa primordial, o dever básico de todo ser humano. E isto ele não há de conseguir se como indivíduo não procurar crescer constantemente. Não é só da religião que esta exigência procede.
Que é que no dia-a-dia se pode observar com referência ao amor a si mesmo? O que antes de tudo desperta nossa atenção é o fato de grande número de pessoas caírem no exagero: não porque amem “demais” a si próprias, mas porque se amam de maneira desordenada. Pensando unicamente na própria vantagem pessoal, como se os outros não existissem, estas pessoas, na realidade, estão se prejudicando. Pois sem dar atenção, respeito e amor àquele que se encontra ao meu lado, que compartilha da vida comigo, não existe verdadeiro amor a si mesmo. Para realizar-se, o ser humano tem absoluta necessidade de dedicar-se a alguém, de ser importante para alguém que não seja ele próprio. Ele tem necessidade da autotranscendência.
Não tem verdadeiro amor a si mesma a pessoa que não procura crescer interiormente, melhorar, aperfeiçoar-se: o comodista, o preguiçoso, que não quer trabalhar nem estudar, que foge dos sacrifícios exigidos pelo trabalho, pelo estudo, pela profissão.
Quem só anda atrás do prazer e das diversões, quem exagera na comida ou na bebida, quem se entrega ao vício ou às drogas, quem não se esforça por respeitar os outros, superar o mau humor e a agressividade, não entendeu o autêntico amor a si mesmo. Meu amor a mim mesmo não é verdadeiro se eu vivo predominante ou exclusivamente para o poder, para o prazer, para o dinheiro. Por quê? Porque nesse caso está sendo pór completo esquecida minha dimensão espiritual, estou me restringindo às componentes somática e psíquica. Estou esquecendo os valores e o sentido mais profundo da minha vida.
Para ser autêntico, o amor a si próprio precisa incluir antes de tudo a dimensão noética: o crescimento interior, a honradez, sinceridade, liberdade, responsabilidade, solidariedade... Sem isso ele se reduz a um reles egoísmo. E sem a base espiritual não se consegue construir o edifício do amor ao próximo e do amor a Deus.
Pessoas como Francisco de Assis ou Madre Teresa de Calcutá (e tantas outras!) não estiveram preocupadas em adquirir bens, em obter prestígio ou ocupar cargos importantes. Mas aquele escolheu viver como um verdadeiro pobre – o “Poverello” de Assis –, para imitar a pobreza de Jesus Cristo. E aquela optou por ajudar seus semelhantes que viviam na pobreza e na miséria. Com isto, mesmo sem que o buscassem expressamente, ambos adquiriram riquezas incalculáveis, do tipo que os ladrões não roubam nem as traças roem – riquezas que não se encontram no terreno do “ter” mas do “ser”. Foi grande o amor a si mesmo demonstrado por essas pessoas.
Em nosso dia-a-dia sabemos por experiência como são numerosas as pessoas que se consideram acima de qualquer crítica. E isto não só entre as pessoas “importantes”, mas também naquelas com quem podemos nos deparar em toda parte e a qualquer momento – de pessoas instruídas a analfabetos e ignorantes – nas ruas ou no interior de nossas próprias casas! Quem julga em tudo estar certo, estar sempre com a razão – quem se comporta como se não pudesse errar –, a esta pessoa está faltando a humildade, sinal autêntico do amor a si próprio. Sem humildade ninguém pode amar verdadeiramente nem mesmo as pessoas mais íntimas – da própria família, do próprio grupo, do ambiente em que vive. Como poderia, então, chegar ao amor a Deus?
A pessoa que tem verdadeiro amor a si próprio é uma pessoa amadurecida, cordial, humilde, compreensiva, eficiente, benquista, é uma pessoa que superou sua agressividade..., que adquiriu uma dimensão própria, e que por onde passa desperta simpatia nos outros. A quantas anda, por esse critério, o seu amor a si próprio?
Jesus contou a seguinte parábola para alguns que confiavam em si mesmos, tendo-se por justos e desprezando os outros: Dois homens subiram ao Templo para rezar, um era fariseu, o outro publicano. O fariseu rezava em pé desta maneira: Ó Deus, dou-te graças por não ser como os outros homens, ladrões, injustos, adúlteros, nem mesmo como este cobrador de impostos. Jejuo duas vezes por semana, pago o dízimo de tudo que possuo. Mas o publicano, parado à distância, nem se atrevia a levantar os olhos para o céu. Batia no peito, dizendo: Ó Deus, tem piedade de mim, pecador! Eu vos digo, este voltou justificado para casa e não aquele. Porque todo aquele que se exalta será humilhado, e quem se humilha será exaltado.
Evangelho de Lucas 18,9-14
Enviado por Carlos Almeida Pereira, Campina Grande/Pb
sábado, 19 de abril de 2008
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