domingo, 27 de abril de 2008

O Sermão da Montanha

A Logoterapia distingue-se das outras escolas de psicoterapia porque toma como base a dimensão espiritual do ser humano. Com isto ela entra em perfeita harmonia com a visão cristã do homem apresentada no pelo Evangelho. É o que se buscará ver melhor agora, com referência sobretudo ao “Sermão da Montanha” (Evangelho de Mateus, cap. 5-7), por muitos considerado como a quintessência da mensagem evangélica.
Diz-se aí que uma grande multidão se reuniu sobre um monte para ouvir os ensinamentos de Jesus. Já a primeira frase do “sermão” proferido por Jesus nessa ocasião confirma o que ficou dito. Jesus inicia sua pregação com as oito “bem-aventuranças”, das quais a primeira diz o seguinte: “Bem-aventurados os pobres em espírito, porque deles é o reino dos céus” (Mt 5,3). Muita saliva tem sido gasta discutindo-se qual o tipo de pobreza de que se trata aqui. Mas qualquer um que esteja familiarizado com a linguagem da logoterapia logo percebe que a pobreza de que aqui se fala é a que se localiza na dimensão noética. Jesus diz: “Bem-aventurados os pobres em espírito” (“pauperes spiritu”, “ptocoi tw pneumati”). A pobreza “em espírito” é a pobreza abraçada com liberdade interior, no sentido de se confiar não nos bens materiais, no dinheiro ou em qualquer outra coisa, mas sim em Deus. Pobreza em espírito não é simplesmente a pobreza ocasionada pela carência dos meios materiais ou das condições econômicas e sociais, que não atinja o lado espiritual do homem. É, poder-se-ia exemplificar, a pobreza abraçada por Jesus, ou por um Francisco de Assis e seus primeiros discípulos.
Um pouco mais adiante a mesma mensagem se confirma: “Se a vossa justiça não for maior do que a dos escribas e fariseus, não entrareis no reino dos céus” (Mt 5,20). Jesus ocupa-se com a verdadeira justiça, a que torna o homem aceito por Deus. E novamente ele deixa claro que não se trata de justiça meramente exterior, mas sim de uma justiça que atinja o ser mais profundo do homem, sua dimensão espiritual. A “justiça dos escribas e fariseus”, como fica claro por muitas outras passagens do Evangelho, é uma justiça de fachada. A justiça que agrada a Deus é a justiça “do coração”, que não se restringe ao exterior, às aparências. Mais uma vez: a justiça “do espírito”.
O sermão prossegue mostrando como essa “justiça do espírito”, superior à dos escribas e fariseus, deve ser praticada nos diferentes contextos. Com referência ao 5o mandamento ele diz: “Ouvistes o que foi dito aos antigos: não matarás. Quem matar, será réu de julgamento. Mas eu vos digo: quem se encolerizar contra seu irmão, será réu de julgamento” (cf. Mt 5,21-26). O 5o mandamento do Decálogo proíbe o homicídio, proíbe tirar a vida de alguém. É um mandamento em favor da vida. Mas querer mal a um semelhante, irar-se contra ele, diminuí-lo, mesmo em pensamento, não é, no fundo, a mesma atitude contrária à vida? Se o homicídio não tem cabimento na vida do ser humano, também não há lugar para os sentimentos de raiva e de inveja, por mais secretos que sejam. O único sentimento espiritualmente aceitável em relação ao próximo é o “querer-bem”, o amor ao próximo. E este situa-se na dimensão espiritual do homem.
Raciocínio semelhante nós encontramos com relação ao adultério. Adultério, segundo a Lei, é o conviver maritalmente com um parceiro que já é casado. Mas: “Todo aquele que lançar um olhar de cobiça sobre uma mulher, já cometeu adultério em seu coração” (cf. Mt 5,27-32). Para Jesus, já no mero olhar de desejo o adultério consuma-se por inteiro. Se eu quiser ser coerente e sincero comigo mesmo, com minha dimensão espiritual, não posso, a partir de minhas raízes espirituais, deixar de respeitar a família constituída.
Idêntico raciocínio se aplica ao juramento. A lei de Moisés proibia severamente o juramento falso. Para Jesus, no entanto, esta proibição carece de sentido. Honestidade e sinceridade precisam estar enraizadas no coração do homem – o que torna supérfluo todo juramento. A consciência, a faculdade espiritual que nos aponta o que tem ou que não tem sentido, exige que o que a boca diz concorde com o que se encontra no coração: “Seja a vossa palavra sim, se for sim; não, se for não; ou, numa tradução mais popular: “Seja o vosso falar sim, sim, não, não” (cf. Mt 5,33-37).
Vale o mesmo para a chamada “lei de talião”. O “olho por olho, dente por dente” deve, para o homem “espiritual” – e todo homem é espiritual! -, ser substituído pelo bem-querer gratuito, pelo amor e benevolência para com o semelhante: “Se alguém te forçar a levar a mochila por um quilômetro, leva-a por dois” (cf. Mt 5,38-42). Quando sigo a lei do espírito, eu consigo mesmo transformar em amigo aquele que pretendia explorar-me. E até a distinção entre amigo e inimigo deixa de ter sentido. Pois não é verdade que Deus “faz nascer o sol para bons e maus, e chover sobre justos e injustos”? Ou seja: O amor de Deus, os benefícios divinos, se dirigem a todos indistintamente. A condição de filho de Deus, ou seja, minha dimensão “espiritual”, elimina toda e qualquer restrição ao meu projeto de vida: “Sede perfeitos, como o Pai celeste é perfeito” (cf. Mt 5,43-48).
Encontramos ainda no Sermão da Montanha várias outras passagens que lembram as posições da logoterapia. Por exemplo: “Evitai praticar a justiça diante dos homens, para serdes vistos” (Mt 6,1): O apelo ao espírito transparece ainda nessa recomendação: “Quando jejuares, não fiques triste ... lava o rosto e põe perfume na cabeça, para os homens não perceberem que estás jejuando, mas somente o Pai que está no oculto” (Mt 6,12-13). Valorizar em excesso as aparências - o psicofísico! - em prejuízo da dimensão espiritual não tem cabimento para o homem.
Lembremos ainda essa regra que envolve toda a comunidade humana: “Tudo o que desejais que os homens vos façam, fazei vós a eles” (Mt 7,12). Se você adquiriu um pouco de maturidade, se aprendeu que o sentido de sua vida se encontra em algo fora de você, em uma causa ou em outra pessoa – a “autotranscendência”, de que fala a logoterapia -, esta é uma verdadeira “regra de ouro” para o relacionamento com os semelhantes.
Concluindo, caberia nos interrogarmos aqui: Teria Viktor Frankl - consciente ou inconscientemente - se inspirado nos ensinamentos de Jesus Cristo? Não é impossível. Mas pode ser também que Viktor Frankl, com sua sensibilidade para o espiritual, tenha chegado a perceber aquilo que de fato caracteriza primordialmente o ser humano, como antes dele, com plena clareza, já fora apresentado por Jesus Cristo.
[C.A.]

Eis que a Sabedoria está chamando,
e a prudência levanta sua voz.
No alto das colinas, junto ao caminho,
nas encruzilhadas ela se detém:
É a vós, homens, que eu clamo,
minha voz se dirige aos filhos dos homens.
Todas as palavras de minha boca são justas,
nela não há nada de tortuoso ou de perverso.
Pois a Sabedoria vale mais do que as pérolas,
e nenhuma jóia se lhe pode comparar.
Provérbios 8,1-11

Enviado por Carlos Almeida, Campina Grande/Pb

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