segunda-feira, 26 de julho de 2010

Você é Chato?

(Ailton Amélio)

Infelizmente existem muitas maneiras de ser chato. Estas maneiras podem ser classificadas em dois grupos: chatices apresentadas através de ações não comunicativas (sovinice, egoísmo, desconfiança, etc.) e através de ações comunicativas. Neste artigo, vamos examinar apenas algumas das principais maneiras de ser chato através da comunicação que acontece durante os diálogos informais.
Os chatos na comunicação podem ser classificados em dois grupos: (1) chatos ativos e (2) chatos passivos. Vamos ver agora, dois exemplos desses tipos de chatos.


Chato ativo
Ela estava em uma fila de votação. A previsão era permanecer ali por mais que uma hora. Um homem reconheceu-a de longe, cumprimentou-a com um aceno de mão e começou a caminhar na sua direção. Ela mostrou desespero com a aproximação do fulano e comentou: Ih! Lá vem aquele chato. O chato aproximou-se e disparou a falar, a perguntar, a provocar... Ela não dizia quase nada. Apenas mantinha a frente do corpo voltada para ele, olhava para o seu rosto, resmungava alguns monossílabos e assentia com a cabeça de vez em quando. Isto era mais que suficiente para mantê-lo falando igual uma matraca. Quando ele afastou-se por uns poucos momentos para falar com uma outra vítima, ela comentou desesperada: “Não sei o que fazer. Acho que vou desistir da votação ou chamar o guarda. Não vou agüentar esse cara por mais uma hora!”
Muitos interlocutores não sabem como lidar com este tipo de chato. Temem tomar medidas que possam ofendê-lo ou magoá-lo. Aqueles comportamentos apresentados pela mulher da fila (prestar atenção, orientar o corpo, resmungar pequenas respostas, etc.), infelizmente, já são suficientes para mantê-lo falando.


Chato passivo
Ele era um rapaz cheio de bons sentimentos: era gentil, honesto, sorria sempre, modesto e ...calado. Conversar com ele era uma tortura. Ele nunca propunha assuntos, quase não perguntava nada sobre o que o interlocutor estava dizendo. Ele ficava confortável com silêncio durante a conversa . Respondia as perguntas com monossílabos. Por outro lado, não saia da conversa, não dava sinais que estava cansado, sorria bastante e assentia com a cabeça sempre que o interlocutor falava alguma coisa.
Os interlocutores mais ansiosos para agradar procuram, desesperadamente, assuntos que possam interessar e envolver esse último tipo de chato. Esses interlocutores procuram, o tempo todo, por pistas que indiquem se devem continuar com o assunto, mudar de assunto, passar a palavra, etc.. Tudo em vão. Nada parece funcionar com esse tipo de chato!
Algumas maneiras específicas de ser chato
É possível ser chato tanto no papel de falante como no de ouvinte ou em ambos estes papéis. É possível ser chato através da comunicação não-verbal, através da comunicação verbal ou através de ambos estes tipos de comunicação. É possível ser chato por não respeitar as circunstâncias ou por deixar-se controlar demais por elas. Em todos esses casos, é possível ser chato ativo ou passivo.
Vamos enumerar agora algumas das principais maneiras de ser chato ativo ou passivo.

Chato ativo
· Interrompe demais
· Fala demais
· Tem uma dose de franqueza exagerada e não solicitada
· Não é polido
· É controlado demais pelo que está dizendo e, por isso, desconsidera os efeitos produzidos na audiência daquilo que diz (“Perde o amigo, mas não perde a chance de contar uma piada”)
· Apresenta conselhos não solicitados
· Usa a comunicação não-verbal vocal de modo inadequado (por exemplo, fala lento demais, fala sem inflexão, usa muita pausa)
· Monopoliza o tema, o tempo ou a forma do diálogo.
· Rouba holofotes (“O que tenho relatar sempre é mais importante do que aquilo que você relatou”)
· Não dá espaço para os interlocutores (“Agora que já falei tanto, fale um pouco você. O que achou do que eu disse?”)

Chato passivo
· Tem que ser animado ou carregado durante a conversa.
· Fala de menos (lacônico demais)
· Não assume responsabilidade pelo sucesso da conversa: não propõe assuntos, não reage ao interlocutor, não faz perguntas, mostra muito pouco interesse.
· Tem uma dose de franqueza pequena demais (dissimula muito o que realmente sente e pensa).
· Só fala coisas esperadas. Não contribui para que a conversa saia do lugar comum. Teme se arriscar e desagradar.
· Não funciona como ouvinte ativo: não oferecer feedback, não apresenta os comportamentos não-verbais de ouvinte interessado (orientação de corpo, postura receptiva, olhar para o interlocutor, reações vocais ao que está sendo dito, empatia, etc.)
· É controlado demais pelos efeitos que imagina que a sua atuação terá na audiência (“Só joga para a platéia”)

A regra do cinco por um
O principal motivo da chatice é que a conversa com o chato produz mais custos do que benefícios para o interlocutor.
A Teoria da Interdependência afirma que a satisfação com um relacionamento é fruto da relação entre custos e benefícios que ele produz. John Gotman, autor de vários livros e artigos sobre o casamento, afirmou que um relacionamento satisfatório é aquele que proporciona cinco unidades de benefício para cada unidade de custo. Este princípio é aplicável para todos os tipos de relacionamento e não apenas para o relacionamento amoroso. A veracidade deste princípio é bastante óbvia: qualquer que seja o tipo de relacionamento, tendemos a gostar mais daquelas pessoas que nos trazem mais benefícios do que custos.
Após uma conversa, pergunte-se quantas coisas boas e ruins você proporcionou para o seu interlocutor e vice-versa. Quase tudo pode ser pensado em termos de custos e benefícios: atenção, apoio, aparência, rendimentos, sexo, afeto, etc.
Os chatos proporcionam mais custos do que benefícios durante a conversa. Não adianta muito compensar em outras áreas (econômica, aparência, status, etc.). Esta compensação pode fazer com que eles sejam vistos como chatos generosos, chatos bonitos e chatos importantes, mas continuam sendo chatos para conversar.
Ser chato produz diversos prejuízos: traz grandes prejuízos para a amizade, para o relacionamento amoroso e para o relacionamento profissional. As pessoas evitam a companhia dos chatos. Muitos chatos têm consciência disso e tentam desesperadamente tornarem-se mais interessantes. Aprender algumas técnicas pode ajudar. No entanto, para tornar-se mais interessante são necessárias modificações mais profundas que podem ser conseguidas através de uma boa terapia.

Atualmente ministro um curso sobre o diálogo para alunos de pós-graduação da USP. Também trabalho no meu consultório com pessoas que querem aperfeiçoar suas habilidades para conversar e tornarem-se mais eficientes e interessantes.

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