LISBOA – Porto, ladeiras, construções dos séculos passados e o mar. Cidades de dois andares, com elevador, escadarias e pessoas dispostas a conversar sobre tantas coisas nas ruas. Lisboa e Salvador têm muito em comum, e de incomum, em relação ao resto do mundo. As culturas que se misturaram nas duas cidades continuam a se corresponder. É muito fácil encontrar Salvador em Lisboa e Lisboa em Salvador. “Salvador expressa muito essa multiplicidade étnica do Império Português. Tem o mesmo bouquet, você se sente em casa. O maior patrimônio, além do casario, é o antropológico desse mundo atlântico”, aponta o historiador Ubiratan Castro, presidente da Fundação Pedro Calmon.
Uma cidade serviu de espelho para a outra, antes e depois do terremoto de 1755, que abalou não só as construções da cidade portuguesa, mas também o pensamento de uma época. “Salvador teve como modelo Lisboa quando era a capital do Império. Quando houve o terremoto, muito se reconstruiu com base no que tinha em Salvador”, diz Ubiratan Castro.
A história está exposta nos prédios, nos traçados urbanos e nos moradores das duas cidades. Aludindo a Michel de Certeau, o professor Paulo César Alves, da pós-graduação em Cultura e Sociedade, da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia, diz, referindo-se a Lisboa, que o presente está no passado. A diferença em relação a Salvador é que a Lisboa contemporânea aparece viva, tranqüila. Os lisboetas mantêm a rotina, apesar de tantos turistas.
“Presentemente, em Portugal e na Europa, o patrimônio (material e imaterial) ganhou relevo bastante significativo. As comunidades conferem-lhe particular atenção e, mais do que isso, uma particular participação. O patrimônio passou a ser vivido e a fazer parte do prolongamento da ‘pessoa’”, diz o diretor de gestão cultural da Empresa de Gestão de Equipamentos e Animação Cultural (Egeac), de Lisboa, Pedro Moreira.
ORGANIZAÇÃO – Arquitetonicamente, não há choques entre o velho e o novo. Até o complexo da Expo 98, que passou a se destacar à beira do Tejo, projeta-se para marcar o presente. A dinâmica de cidade é azeitada, sem engarrafamentos significativos ou transtornos visuais por anúncios insistentes. As fachadas das casas antigas são mantidas. São raras as coberturas como as que acabaram com a graça das construções da Baixa dos Sapateiros.
Em Lisboa, a Baixa é a Pombalina, em alusão ao intrépido Marquês de Pombal, que mandou reconstruir a cidade depois do terremoto: “Enterrem-se os mortos e cuidem dos vivos” é sua célebre frase. Rigorosamente planejada, a Baixa – como é chamada – fica entre os medievais Bairro Alto e Alfama, que resistiram ao cataclisma. A formação do urbanismo da Era Clássica e a sofisticação da Era Moderna podem ser conferidas com um subir e descer de ladeiras.
Na Baixa, as lojas da Rua Augusta e adjacências são como eram. Com vitrines imensas, sem grandes jogos cênicos, mesmo quando expõem tênis elegantes junto a sapatos de couro “made in Portugal”. Lembram casas como A Lâmpada, isolada no Comércio, em Salvador, com sua fachada modificada, mas com ladrilhos hidráulicos e armários de madeira e vidro antigos. Na Baixa, sucedem-se lojas de vinho, de confecções com cabides pendurados, os armarinhos.
Chegar ao Bairro Alto a pé é muito mais cansativo do que pegar uma Ladeira da Preguiça ou da Conceição, em Salvador. As ladeiras que têm sua base na Baixa Pombalina são mais íngremes, e há infindáveis escadarias por entre os prédios, tal como nas invasões das atuais periferias baianas.
TERREMOTO – O terremoto em 1° de novembro de 1755, dia de Todos os Santos, praticamente destruiu Lisboa e atingiu parte do Algarve, sul de Portugal. O mar invadiu a cidade e incêndios se espalharam. O impacto político e socioeconômico na sociedade cristã do século XVIII foi enorme e propiciou uma discussão de filósofos iluministas.
Cerca de 85% das construções de Lisboa foram destruídas, incluindo palácios, conventos, igrejas e hospitais. A Casa da Ópera, construída seis meses antes, foi consumida pelo fogo. O Palácio Real, às margem do Tejo, acabou-se em ruínas, incluindo a sua biblioteca, com 70 mil volumes e obras de arte. Coisa semelhante aconteceu com os documentos dos descobrimentos, no Arquivo Real. A família real escapou porque passava dias em Belém, localidade que fica um pouco afastada de Lisboa. É onde hoje se comem os pastéis de nata mais famosos do país. Por causa do terremoto, D. José passou a morar em uma tenda no Alto da Ajuda, na Real Barraca.
Fonte: Jornal A TARDE, Salvador/Ba
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