No livro UMA ÉTICA GLOBAL PARA A POLÍTICA E A ECONOMIA MUNDIAIS [Vozes, 1999, 475 p., R$ 70,80], Hans Küng aborda corajosamente os caminhos trilhados pela humanidade. Existirá uma solução para a política mundial? Poderá o cenário da economia mundial permanecer indefinidamente na marcha e ritmo que segue hoje? A grande proposta é que se caminhe para estabelecer padrões éticos aceitos por todos os povos, nações e religiões – o que concretamente vem sendo proposto pela “Fundação Ethos Mundial” (“Stiftung Weltethos”), aliás presidida pelo próprio Hans Küng. [Na foto: Logotipo da Fundação Ethos Mundial.]
23. Padrões éticos para o mundo todo?
Chegarmos a um entendimento e acordo sobre determinados valores, normas, atitudes, como base para a sociedade mundial, não seria isto uma grande e bela ilusão? Frente à diversidade de nações, culturas e religiões, ser-nos-á lícito sonhar com um consenso ético, e mais, com um consenso ético em dimensões globais? Mas bem que o argumento poderia ser invertido: Precisamente em vista desta situação aflitiva, um consenso ético básico torna-se indispensável.
São grandes os desafios!
• Observam-se hoje, no mundo inteiro, perigosas tensões entre crentes e não-crentes, entre os que estão ligados a igrejas e os secularistas, entre clericais e anticlericais.
• A humanidade se vê ameaçada hoje por um choque de civilizações, por exemplo, entre a civilização muçulmana e a civilização ocidental. Não tanto a ameaça de uma nova guerra mundial, mas conflitos entre dois países, ou dentro de um mesmo país, ou até de uma mesma escola.
• Em nosso mundo, as relações entre as religiões são bloqueadas por dogmatismos de toda espécie, presentes em todas as igrejas e religiões, e mesmo nas ideologias modernas.
A tudo isto opomos esta nossa firme convicção: Não haverá sobrevivência da democracia sem uma coalizão de crentes e não-crentes em mútuo respeito! Não haverá paz entre as civilizações sem paz entre as religiões! Não haverá paz entre as religiões sem um diálogo entre as religiões! E não poderá haver uma nova ordem mundial sem um novo etos mundial ou planetário, apesar de todas as diferenças dogmáticas.
Que é o Etos Mundial? Não se trata de uma nova ideologia em substituição à Torah, ao Alcorão ou ao Sermão da Montanha. O etos mundial não visa uma cultura mundial única, nem muito menos uma única religião mundial. Etos mundial é um mínimo indispensável de consenso quanto aos valores, normas e atitudes básicas comuns, que possa ser aceito por todas as religiões, e mesmo pelos não-crentes.
Muitos acham que é impossível um consenso global em questões de consciência ética. Outros, no entanto, se interrogam: Não já existem, nas diferentes nações, culturas e religiões, algo como padrões éticos universais? Desde já é necessário que se evite um mal-entendido: Tão grandes são as diferenças de nações, culturas, religiões e formas de vida, que não se pode pensar em uma concordância plena. Portanto não se trata de um consenso ético total. Porém, por mais diversas e variadas que sejam as diferenças nacionais, culturais e religiosas, trata-se em toda parte de pessoas humanas, e hoje, através dos meios de comunicação, sobretudo do rádio e da televisão, estas sentem-se cada vez mais como uma comunidade de destino sobre a Terra. E aqui se coloca a questão: Não poderia – ou não deveria - existir um mínimo de valores, normas e atitudes que sejam comuns a todos os homens? Portanto, um consenso ético mínimo?
Vejamos o que hoje acontece. O mundo inteiro se enche de indignação com determinadas ocorrências locais, Quando as massas humanas são impelidas às ruas e as marchas de protesto – sejam em Pequim, Buenos Aires ou Belgrado - são televisionadas para o mundo, por toda parte um sem-número de pessoas tomam parte neste acontecimento, identificam-se com as pessoas do lugar e acompanham-nas em espírito. Quando no ano da revolução européia de 1989 as multidões saíram às ruas de Praga, e algumas pessoas levavam faixas com a palavra "VERDADE" e outras com a palavra "JUSTIÇA", muito espontaneamente os telespectadores no mundo inteiro, independentemente das fronteiras nacionais, culturais e religiosas, entenderam quais os valores e normas globais que eram cobrados aqui da ditadura comunista. Nesses momentos manifestou-se mundialmente uma tranqüila abertura e concordância para os valores "Verdade" e "Justiça".
- Verdade? Os cidadãos e cidadãs de Praga não foram para as ruas defender uma teoria da coerência, do consenso ou da concordância da verdade. Eles tinham idéias bem diversas sobre essas teorias, ou mesmo não estavam em absoluto preocupados com estas questões. Os manifestantes queriam ouvir de seus líderes políticos declarações verdadeiras; queriam poder acreditar no que liam nos jornais, não queriam continuar a ser “enrolados".
- Justiça? Os cidadãos de Praga não estavam fazendo demonstrações por uma concepção filosófica da igualdade. Estavam simplesmente exigindo: "Fora com as prisões arbitrárias, queremos uma justiça igual e apartidária, queremos a abolição de todos os privilégios e prerrogativas da elite do partido – eles estavam exigindo uma justiça normal e comum em todas as circunstâncias.
Que significa isto para a questão das normas de validade universal? Quando em espírito nos identificamos com aqueles que protestam quando a verdade e a justiça são manifestamente calcadas aos pés, pode vir à tona uma solidariedade internacional, acima de todas as fronteiras de nação, cultura e religião. Fica claro que existe algo assim como um "núcleo da moral", um feixe de padrões éticos elementares, de que fazem parte o direito fundamental à vida, ao justo tratamento (inclusive por parte do Estado), à integridade corporal e psíquica. Encontramo-nos aqui diante de uma "moral mínima", de conceitos morais que possuem um mínimo de significado universal.
Texto baseado em Hans Küng, Uma Ética Global para a Política e Economia Mundiais, p. 166ss - Tradução e adaptação de Carlos Almeida.
23. Padrões éticos para o mundo todo?
Chegarmos a um entendimento e acordo sobre determinados valores, normas, atitudes, como base para a sociedade mundial, não seria isto uma grande e bela ilusão? Frente à diversidade de nações, culturas e religiões, ser-nos-á lícito sonhar com um consenso ético, e mais, com um consenso ético em dimensões globais? Mas bem que o argumento poderia ser invertido: Precisamente em vista desta situação aflitiva, um consenso ético básico torna-se indispensável.
São grandes os desafios!
• Observam-se hoje, no mundo inteiro, perigosas tensões entre crentes e não-crentes, entre os que estão ligados a igrejas e os secularistas, entre clericais e anticlericais.
• A humanidade se vê ameaçada hoje por um choque de civilizações, por exemplo, entre a civilização muçulmana e a civilização ocidental. Não tanto a ameaça de uma nova guerra mundial, mas conflitos entre dois países, ou dentro de um mesmo país, ou até de uma mesma escola.
• Em nosso mundo, as relações entre as religiões são bloqueadas por dogmatismos de toda espécie, presentes em todas as igrejas e religiões, e mesmo nas ideologias modernas.
A tudo isto opomos esta nossa firme convicção: Não haverá sobrevivência da democracia sem uma coalizão de crentes e não-crentes em mútuo respeito! Não haverá paz entre as civilizações sem paz entre as religiões! Não haverá paz entre as religiões sem um diálogo entre as religiões! E não poderá haver uma nova ordem mundial sem um novo etos mundial ou planetário, apesar de todas as diferenças dogmáticas.
Que é o Etos Mundial? Não se trata de uma nova ideologia em substituição à Torah, ao Alcorão ou ao Sermão da Montanha. O etos mundial não visa uma cultura mundial única, nem muito menos uma única religião mundial. Etos mundial é um mínimo indispensável de consenso quanto aos valores, normas e atitudes básicas comuns, que possa ser aceito por todas as religiões, e mesmo pelos não-crentes.
Muitos acham que é impossível um consenso global em questões de consciência ética. Outros, no entanto, se interrogam: Não já existem, nas diferentes nações, culturas e religiões, algo como padrões éticos universais? Desde já é necessário que se evite um mal-entendido: Tão grandes são as diferenças de nações, culturas, religiões e formas de vida, que não se pode pensar em uma concordância plena. Portanto não se trata de um consenso ético total. Porém, por mais diversas e variadas que sejam as diferenças nacionais, culturais e religiosas, trata-se em toda parte de pessoas humanas, e hoje, através dos meios de comunicação, sobretudo do rádio e da televisão, estas sentem-se cada vez mais como uma comunidade de destino sobre a Terra. E aqui se coloca a questão: Não poderia – ou não deveria - existir um mínimo de valores, normas e atitudes que sejam comuns a todos os homens? Portanto, um consenso ético mínimo?
Vejamos o que hoje acontece. O mundo inteiro se enche de indignação com determinadas ocorrências locais, Quando as massas humanas são impelidas às ruas e as marchas de protesto – sejam em Pequim, Buenos Aires ou Belgrado - são televisionadas para o mundo, por toda parte um sem-número de pessoas tomam parte neste acontecimento, identificam-se com as pessoas do lugar e acompanham-nas em espírito. Quando no ano da revolução européia de 1989 as multidões saíram às ruas de Praga, e algumas pessoas levavam faixas com a palavra "VERDADE" e outras com a palavra "JUSTIÇA", muito espontaneamente os telespectadores no mundo inteiro, independentemente das fronteiras nacionais, culturais e religiosas, entenderam quais os valores e normas globais que eram cobrados aqui da ditadura comunista. Nesses momentos manifestou-se mundialmente uma tranqüila abertura e concordância para os valores "Verdade" e "Justiça".
- Verdade? Os cidadãos e cidadãs de Praga não foram para as ruas defender uma teoria da coerência, do consenso ou da concordância da verdade. Eles tinham idéias bem diversas sobre essas teorias, ou mesmo não estavam em absoluto preocupados com estas questões. Os manifestantes queriam ouvir de seus líderes políticos declarações verdadeiras; queriam poder acreditar no que liam nos jornais, não queriam continuar a ser “enrolados".
- Justiça? Os cidadãos de Praga não estavam fazendo demonstrações por uma concepção filosófica da igualdade. Estavam simplesmente exigindo: "Fora com as prisões arbitrárias, queremos uma justiça igual e apartidária, queremos a abolição de todos os privilégios e prerrogativas da elite do partido – eles estavam exigindo uma justiça normal e comum em todas as circunstâncias.
Que significa isto para a questão das normas de validade universal? Quando em espírito nos identificamos com aqueles que protestam quando a verdade e a justiça são manifestamente calcadas aos pés, pode vir à tona uma solidariedade internacional, acima de todas as fronteiras de nação, cultura e religião. Fica claro que existe algo assim como um "núcleo da moral", um feixe de padrões éticos elementares, de que fazem parte o direito fundamental à vida, ao justo tratamento (inclusive por parte do Estado), à integridade corporal e psíquica. Encontramo-nos aqui diante de uma "moral mínima", de conceitos morais que possuem um mínimo de significado universal.
Texto baseado em Hans Küng, Uma Ética Global para a Política e Economia Mundiais, p. 166ss - Tradução e adaptação de Carlos Almeida.
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