“O PRINCÍPIO DE TODAS AS COISAS. Ciências Naturais e Religião” (Vozes, 288 pág., R$ 47,00) é o livro mais recente de Hans Küng. A tradução brasileira foi lançada no início deste ano. Neste livro o autor ocupa-se com as grandes questões ligadas à ciência e à religião: A origem do universo – Deus como princípio? – Criação ou evolução? – Vida no cosmos? – O começo da humanidade – O fim de tudo. Leitura importante para os dias de hoje.
25. Provas da existência de Deus?
É muito compreensível que na ordem da natureza os físicos não simpatizem muito com o que é único. Toda singularidade os obriga a continuarem investigando, para ver se não podem classificá-la dentro de uma regularidade, dentro das leis físicas conhecidas. O que caracteriza as leis físicas não é o caso individual, mas sim a repetição. Mas na singularidade inicial – o “big bang” – trata-se de algo fundamentalmente diferente, algo que se subtrai a todos os conceitos e a todas as leis físicas. Um centésimo de segundo após a explosão inicial já vigoram leis da física que nos são bastante conhecidas. Mas para o tempo zero, e para a causa da misteriosa explosão primordial, o físico fica um tanto perturbado. Como poderia ele explicar que, em uma minúscula unidade de densidade, temperatura e impulso infinitos, esteja contido todo o potencial de cem bilhões de galáxias? Não teria o físico, para não renunciar a uma resposta, que envolver-se com algo “meta”-físico? Não terá a física que contar com Deus para explicar o big bang, a explosão inicial?
Não muito tempo após a revolução provocada por Copérnico (1473-1543) na astronomia,ocorreu uma revolução semelhante na filosofia. Para René Descartes (1595-1650), não se trata agora, como na Idade Média, de partir da certeza de Deus para a certeza de si próprio, mas sim de partir da certeza de si próprio para a certeza de Deus. Seguindo essa linha, Immanuel Kant (1724-1804) critica radicalmente as provas da existência de Deus. Para ele é preciso impor limites à razão, e os limites da razão não coincidem com os limites da realidade. O que a razão não conhece pode, não obstante, ser real. Também Deus! Mas, segundo Kant, é impossível provar cientificamente a existência de Deus. Deus não existe no espaço e no tempo, e por isso ele não é objeto de observação. A respeito de Deus, não se pode adquirir conhecimentos nem emitir juízos com valor de prova científica, porque estes dependem da observação. Por isso, diz Kant, as provas da existência de Deus estão condenadas ao fracasso. Pois todas as conclusões que pretendem ir além do terreno da experiência são enganosas e sem fundamento. Da existência de Deus não existe nenhuma prova que possa ser universalmente aceita.
Mas, por outro lado, também as provas contrárias estão condenadas ao fracasso, porque também elas ultrapassam o horizonte da experiência. A idéia de Deus não é nenhuma contradição em si, e os que querem provar que Deus não existe incorrem num erro maior ainda: As mesmas provas que demonstram a incapacidade da razão para provar a existência de Deus são suficientes para demonstrar que toda afirmação em contrário também é inadequada. Pois de onde poderia alguém, por pura especulação racional, concluir que não existe nenhum ser supremo como fundamento de tudo? Quando alguém admite que não consegue ver coisa nenhuma atrás da cortina, ele também não pode afirmar que por trás da cortina não existe nada. Também o ateísmo se depara aqui com seus limites.
É lamentável termos conhecimento de tantas falsas batalhas nos séculos 19 e 20 entre a fé em Deus e a ciência, entre teologia e ateísmo. E mais lamentável ainda é que ainda hoje muitos cientistas se deixem prender pelos argumentos dos séculos passados, já resolvidos, mas por eles muitas vezes pouco refletidos. “Lamentavelmente”, escreve Keith Ward, Professor Régio de Teologia da Universidade de Oxford, nos últimos anos virou moda uma forma de materialismo inteiramente hostil à religião, e que ridiculariza toda idéia de que existe um objetivo e um valor no universo. Bons cientistas, como Francis Crick, Carl Sagan, Stephen Hawking, Richard Dawkins, Jacques Monod e Peter Atkins, publicaram livros em que ridicularizam abertamente a fé religiosa, e onde nos seus ataques apelam para a autoridade de seus trabalhos científicos. Suas declarações, lamentavelmente, se encontram no lugar errado. Seus trabalhos científicos não têm qualquer relevância especial para a verdade ou falsidade da maioria das afirmações feitas sobre religião. De fato, quando entram no terreno da filosofia, eles demonstram ignorar tanto a história quanto a variedade das posições filosóficas, e pretendem que as opiniões materialistas são defendidas quase que universalmente, quando na verdade elas são adotadas apenas por uma minoria bastante pequena de filósofos – “teólogo”, para eles, é evidentemente apenas uma palavra insultuosa. O materialismo por eles adotado está exposto a contundentes argumentos críticos, sobretudo no que se refere à sua real incapacidade para levar em conta os fatos da consciência e a importância das idéias sobre verdade e sobre moral.
Texto baseado em Hans Küng, O Princípio de Todas as Coisas, p. 72 ss.
Tradução e adaptação de Carlos Almeida
sábado, 10 de novembro de 2007
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário