quinta-feira, 20 de setembro de 2007

O Novo Testamento

Mais um “afilhado” chegou recentemente às minhas mãos, isto é, acaba de sair do prelo um livro que eu traduzi. Trata-se de

Gerd Theissen, O NOVO TESTAMENTO
Editora Vozes 2007, 149 pág., R$ 26,00

O autor é professor de Teologia Evangélica na Universidade de Heidelberg. O livro aparenta ser um manual destinado aos estudantes dessa disciplina no curso de Teologia. Ocupa-se com as personagens e as questões de importância para o estudo do Novo Testamento: Jesus de Nazaré e Paulo de Tarso, a tradição oral da primeira geração, a literatura epistolar, os evangelhos e Atos dos Apóstolos, as cartas pseudo-epigráficas, os escritos joaneus. Abaixo, a título de amostra, parte do 1º capítulo:

15. Jesus de Nazaré

Que é que sabemos a respeito de Jesus? Jesus é proveniente da Galiléia e aparece em público pela primeira vez como um adepto de João Batista. Seu batismo é histórico, pois sua auto-acu­sação como pecador constituiu um escândalo para os cristãos, que não tardaram a estar convencidos da impe­cabilidade de Jesus. Jesus compartilha a crença do Ba­tista de que o fim do mundo está próximo, e que só a conversão pode salvar do juízo. Mas diferencia-se do Batista pela indiferença manifestada quanto aos atos rituais: ele não ba­tizava. Para o Batista não havia mais tempo para se comprovar a conver­são (“o machado já estava posto à raiz das árvores”); a conversão era simbolizada pelo batismo. Mas Jesus passou pela experiência de esta expectativa não se realizar. Provavelmente Jesus interpretou isto como uma graça. Pois o simples fato de o sol nascer é para Ele um sinal da bondade de Deus, que concede ao ho­mem tempo para a conversão.

Pode-se reconstituir as carac­terísticas básicas da pregação de Jesus. Foram conservadas muitas tradições potencialmente independentes sobre Jesus: o Evangelho de Marcos, a fonte Q, ou fonte dos ditos (fonte dos lóguia), as particularidades de Mateus e de Lucas que só aparecem em um desses evange­lhos, e ainda o Evangelho de João e o Evangelho de Tomé. Cada elemento da tradição pode ter sido transmitido de forma independente, antes de ser incluído em um evangelho. O que sempre de novo volta nestas tradições pode ser histórico. E também o que contradiz às tendênci­as do cristianismo primitivo sobre sua veneração. De acordo com isto, é possível afirmar-se sobre Jesus o seguinte:

Jesus esperava o fim do mundo para breve. Ele pregava o "reinado de Deus", com isto defendendo um monoteísmo consis­tente. Em nenhum momento explicou o significado do "reinado de Deus", mas colocava ênfases próprias: Quando se falava do "reinado de Deus", em geral Deus era o "rei"; mas para Jesus Ele é o "Pai". Nos outros textos judaicos o reinado de Deus é futuro, mas para Jesus ele começa no presente. Quase sempre o reinado de Deus significava liberta­ção do domínio estrangeiro, mas em Jesus são justamente os estrangeiros que nele irão entrar. Não se trata, por­tanto, de um triunfo sobre os inimigos de Israel, mas sim de uma esperança para os perdidos em Israel, para os estrangei­ros e para os de fora!

Mais do que o Batista, Jesus enfatiza a graça de Deus. Mas também nele o juízo não está ausente. Nem todos entrarão no Reino de Deus: "Quem não receber o Reino de Deus como uma criança, jamais nele entrará". Para Jesus a sal­vação se iniciava com as curas. Já antes de sua morte se falava de seus milagres com grande exagero. Eles possuem um nú­cleo histórico, pois não eram atribuídos milagres a todos os ca­rismáticos. Os milagres que caracterizaram Jesus fizeram com que se espalhasse esta certeza de que agora a salvação está começando.

Na pregação Jesus usava as formas proféticas e sapi­enciais. Falava em bem-aventuranças e ais. Falava de sua missão na primeira pes­soa, dizendo: "Eu vim para...". São palavras suas na primeira pessoa as antíteses do Sermão da Montanha. Nas duas primeiras, a forma antitética remonta a Jesus, as outras foram formuladas seguindo o mes­mo modelo. Nelas Jesus contrapõe a Moisés seu "Eu, porém, vos digo", mostrando que o motivo do agir proibido provém do íntimo. Ele não diz "Não deves irar-te!" nem "Não deves ter desejos sexuais"! Apenas constata: Quem se ira é culpado; quem deseja outra mulher casada comete adultério.

Em outra sentença Jesus manifesta seu ceticismo quanto à distinção entre "puro e impuro": Nada que vem de fora de alguém pode tomá-lo impuro, mas só o que sai de dentro dele. De modo semelhante Ele relativiza o sábado: "O sábado foi feito para o homem e não o homem para o sába­do". Para Ele as exigências rituais são menos impor­tantes do que as éticas, que Ele resume no duplo mandamento do amor. Mas não rejeitava em princípio o ritual.

Formulava, além disso, advertências provocativas: A quem te bater numa face, dá uma demonstração de não-agressividade, oferecendo-lhe a outra, com o fim de por uma "intervenção paradoxal" interromper o círculo da violência. A ampliação do amor se fundamenta na bondade de Deus: Assim como Deus faz o sol nascer sobre bons e maus, também os homens devem colocar-se acima da distinção entre amigo e inimigo, e amar seus inimigos.

Sua entrada em Jerusalém levou ao conflito com o poder político, a purificação do Templo ao conflito com o poder religioso. Por causa desses conflitos, Jesus contava com a possibilidade de uma morte violenta, mas até o fim esperou que passasse "este cálice". Celebrou uma última ceia, esperando po­der celebrá-la de novo com seus discípulos no Reino de Deus, que logo haveria de chegar.

Jesus foi morto por uma ação conjunta da aristocracia ju­daica e da administração provincial de Roma. Pilatos teria podido libertá-lo. Tá­cito, com razão, o considera o responsável pela morte de Je­sus. Já os cristãos unilateralmente atribuíram a responsabilidade às autoridades judaicas, embora estas não tivessem o direito de condenar ninguém à pena capi­tal.

Mas como Jesus se entendia a si próprio? Ele não apenas anunciava o Reino, mas o tornava presente em sua pessoa. Por isso Pedro quis proclamá-Io Mes­sias. A tais expectativas do povo é provável que Jesus tenha procurado esquivar-se, pois para Ele não se tratava do "seu reino" mas sim do Reino de Deus. As expectativas que provocou em seus adeptos foram aba­ladas pela crucifixão. Eles haviam-se encaminhado a Jeru­salém na esperança de que o Reino de Deus iria manifestar-se. Quando após sua morte reconheceram que Jesus estava vivo, convenceram-se: Isto é a realização do Reino de Deus. Quem agora ocupava o centro já não era Deus, mas sim Jesus. Do teocentrismo da pregação de Jesus sur­giu o cristocentrismo da pregação sobre Jesus.
Embora não nos tenha deixado uma única linha esc­rita, Jesus contribuiu para a origem do Novo Testamento - não apenas pela forma de sua linguagem, conservada nos evangel­hos, mas pela consciência de provocar uma mudança históric­a que modificou radicalmente as relações entre Deus, o mundo e o homem. Por isso os escritos que tiveram origem em sua pessoa não foram considerados como uma ampliação do Anti­go Testamento, mas sim como um "Novo Testamento", em oposição ao Antigo.

Enviado por Carlos Almeida Pereira, Campina Grande/Pb

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