Mais um “afilhado” chegou recentemente às minhas mãos, isto é, acaba de sair do prelo um livro que eu traduzi. Trata-se de
Gerd Theissen, O NOVO TESTAMENTO
Editora Vozes 2007, 149 pág., R$ 26,00
O autor é professor de Teologia Evangélica na Universidade de Heidelberg. O livro aparenta ser um manual destinado aos estudantes dessa disciplina no curso de Teologia. Ocupa-se com as personagens e as questões de importância para o estudo do Novo Testamento: Jesus de Nazaré e Paulo de Tarso, a tradição oral da primeira geração, a literatura epistolar, os evangelhos e Atos dos Apóstolos, as cartas pseudo-epigráficas, os escritos joaneus. Abaixo, a título de amostra, parte do 1º capítulo:
15. Jesus de Nazaré
Que é que sabemos a respeito de Jesus? Jesus é proveniente da Galiléia e aparece em público pela primeira vez como um adepto de João Batista. Seu batismo é histórico, pois sua auto-acusação como pecador constituiu um escândalo para os cristãos, que não tardaram a estar convencidos da impecabilidade de Jesus. Jesus compartilha a crença do Batista de que o fim do mundo está próximo, e que só a conversão pode salvar do juízo. Mas diferencia-se do Batista pela indiferença manifestada quanto aos atos rituais: ele não batizava. Para o Batista não havia mais tempo para se comprovar a conversão (“o machado já estava posto à raiz das árvores”); a conversão era simbolizada pelo batismo. Mas Jesus passou pela experiência de esta expectativa não se realizar. Provavelmente Jesus interpretou isto como uma graça. Pois o simples fato de o sol nascer é para Ele um sinal da bondade de Deus, que concede ao homem tempo para a conversão.
Pode-se reconstituir as características básicas da pregação de Jesus. Foram conservadas muitas tradições potencialmente independentes sobre Jesus: o Evangelho de Marcos, a fonte Q, ou fonte dos ditos (fonte dos lóguia), as particularidades de Mateus e de Lucas que só aparecem em um desses evangelhos, e ainda o Evangelho de João e o Evangelho de Tomé. Cada elemento da tradição pode ter sido transmitido de forma independente, antes de ser incluído em um evangelho. O que sempre de novo volta nestas tradições pode ser histórico. E também o que contradiz às tendências do cristianismo primitivo sobre sua veneração. De acordo com isto, é possível afirmar-se sobre Jesus o seguinte:
Jesus esperava o fim do mundo para breve. Ele pregava o "reinado de Deus", com isto defendendo um monoteísmo consistente. Em nenhum momento explicou o significado do "reinado de Deus", mas colocava ênfases próprias: Quando se falava do "reinado de Deus", em geral Deus era o "rei"; mas para Jesus Ele é o "Pai". Nos outros textos judaicos o reinado de Deus é futuro, mas para Jesus ele começa no presente. Quase sempre o reinado de Deus significava libertação do domínio estrangeiro, mas em Jesus são justamente os estrangeiros que nele irão entrar. Não se trata, portanto, de um triunfo sobre os inimigos de Israel, mas sim de uma esperança para os perdidos em Israel, para os estrangeiros e para os de fora!
Mais do que o Batista, Jesus enfatiza a graça de Deus. Mas também nele o juízo não está ausente. Nem todos entrarão no Reino de Deus: "Quem não receber o Reino de Deus como uma criança, jamais nele entrará". Para Jesus a salvação se iniciava com as curas. Já antes de sua morte se falava de seus milagres com grande exagero. Eles possuem um núcleo histórico, pois não eram atribuídos milagres a todos os carismáticos. Os milagres que caracterizaram Jesus fizeram com que se espalhasse esta certeza de que agora a salvação está começando.
Na pregação Jesus usava as formas proféticas e sapienciais. Falava em bem-aventuranças e ais. Falava de sua missão na primeira pessoa, dizendo: "Eu vim para...". São palavras suas na primeira pessoa as antíteses do Sermão da Montanha. Nas duas primeiras, a forma antitética remonta a Jesus, as outras foram formuladas seguindo o mesmo modelo. Nelas Jesus contrapõe a Moisés seu "Eu, porém, vos digo", mostrando que o motivo do agir proibido provém do íntimo. Ele não diz "Não deves irar-te!" nem "Não deves ter desejos sexuais"! Apenas constata: Quem se ira é culpado; quem deseja outra mulher casada comete adultério.
Em outra sentença Jesus manifesta seu ceticismo quanto à distinção entre "puro e impuro": Nada que vem de fora de alguém pode tomá-lo impuro, mas só o que sai de dentro dele. De modo semelhante Ele relativiza o sábado: "O sábado foi feito para o homem e não o homem para o sábado". Para Ele as exigências rituais são menos importantes do que as éticas, que Ele resume no duplo mandamento do amor. Mas não rejeitava em princípio o ritual.
Formulava, além disso, advertências provocativas: A quem te bater numa face, dá uma demonstração de não-agressividade, oferecendo-lhe a outra, com o fim de por uma "intervenção paradoxal" interromper o círculo da violência. A ampliação do amor se fundamenta na bondade de Deus: Assim como Deus faz o sol nascer sobre bons e maus, também os homens devem colocar-se acima da distinção entre amigo e inimigo, e amar seus inimigos.
Sua entrada em Jerusalém levou ao conflito com o poder político, a purificação do Templo ao conflito com o poder religioso. Por causa desses conflitos, Jesus contava com a possibilidade de uma morte violenta, mas até o fim esperou que passasse "este cálice". Celebrou uma última ceia, esperando poder celebrá-la de novo com seus discípulos no Reino de Deus, que logo haveria de chegar.
Jesus foi morto por uma ação conjunta da aristocracia judaica e da administração provincial de Roma. Pilatos teria podido libertá-lo. Tácito, com razão, o considera o responsável pela morte de Jesus. Já os cristãos unilateralmente atribuíram a responsabilidade às autoridades judaicas, embora estas não tivessem o direito de condenar ninguém à pena capital.
Mas como Jesus se entendia a si próprio? Ele não apenas anunciava o Reino, mas o tornava presente em sua pessoa. Por isso Pedro quis proclamá-Io Messias. A tais expectativas do povo é provável que Jesus tenha procurado esquivar-se, pois para Ele não se tratava do "seu reino" mas sim do Reino de Deus. As expectativas que provocou em seus adeptos foram abaladas pela crucifixão. Eles haviam-se encaminhado a Jerusalém na esperança de que o Reino de Deus iria manifestar-se. Quando após sua morte reconheceram que Jesus estava vivo, convenceram-se: Isto é a realização do Reino de Deus. Quem agora ocupava o centro já não era Deus, mas sim Jesus. Do teocentrismo da pregação de Jesus surgiu o cristocentrismo da pregação sobre Jesus.
Embora não nos tenha deixado uma única linha escrita, Jesus contribuiu para a origem do Novo Testamento - não apenas pela forma de sua linguagem, conservada nos evangelhos, mas pela consciência de provocar uma mudança histórica que modificou radicalmente as relações entre Deus, o mundo e o homem. Por isso os escritos que tiveram origem em sua pessoa não foram considerados como uma ampliação do Antigo Testamento, mas sim como um "Novo Testamento", em oposição ao Antigo.
Enviado por Carlos Almeida Pereira, Campina Grande/Pb
quinta-feira, 20 de setembro de 2007
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