Fonte: O POVO Online/Colunas/Ruy Lima
O dote da princesa italiana incluía livros de receitas, um séquito de cozinhei-ras e o garfo de duas pontas
Quando Catarina de Médicis aportou na França para se casar com o rei Henrique II, levou na bagagem ingredientes que iriam mudar os costumes e a gastronomia. O dote da princesa italiana incluía livros de receitas, um séquito de cozinheiras e o garfo de duas pontas. Em 1533, não havia garfos na França. Alem de introduzir novos modos de etiqueta, Catarina criou o hábito da sobremesa após as refeições.
Durante séculos, a nobreza se esbaldava em orgias gastronômicas sem que houvesse o menor critério à mesa. Servia-se de tudo e ao mesmo tempo. Carnes, ensopados, pães, queijos, frutas, tortas. Uma enorme desordem gustativa. De forma natural, sem que soubessem exatamente o que estavam fazendo, os nobres comiam frutas e queijos entre um e outro prato como forma de limpar as papilas e seguir adiante com o rega-bofe. Catarina pôs ordem na sequência e decretou: doces, só após as refeições. A sobremesa adquiriu lugar de grande importância no ritual. A partir de então passou-se a retirar tudo da mesa para que a sobremesa fosse servida. O termo dessert, sobremesa em francês, significa “desservir”, ou seja, limpar a mesa. Terminado o almoço ou jantar, saem os pratos, talheres sujos, copos, limpa-se a toalha com uma escovinha e, aí sim, vem a sobremesa.
O exercito de cozinheiras que viajou com a princesa se tornou a maior sensação na Franca. Assim como as sobremesas. A tradição dos doces se espalhou pelos conventos da Península Ibérica. Freiras portuguesas usavam a clara do ovo para engomar a roupa. Como não tinham o que fazer com as gemas, inventaram doces que se tornaram uma tradição. Fios d’ovos, pastéis de santa clara, toucinhos do céu... Tudo a base de gema de ovo.
De lá para o Brasil foi um pulo. Quem não tem uma avó de mão cheia?
Na memória da minha infância estou docemente farto de ambrosia, arroz doce, ovos nevados, pingos de ouro, compota de jabuticaba, doces de leite... A vida moderna parece ter decretado a extinção dessa espécie de mulheres. Não conheço mais uma grande doceira. Restaurantes parecem ter feito pacto pelo cardápio único. Como são aborrecidos os carrinhos de sobremesa. Só nos oferecem tortas com ingredientes duvidosos, pavês tristes e o indefectível brownie. Nas refeições caseiras não se dá mais sobremesa aos filhos. As donas de casa não tem mais tempo. Defendo a volta das mulheres à cozinha. Como forma de resgatar e preservar valores históricos e culturais ameaçados de extinção.
Ensaiei esse discurso com a intenção de pedir a minha hóspede europeia que pilotasse o fogão esta noite. Ela tem segredos e predicados. De longe, ouvi Mademoiselle K. perguntar: “Você não vai fazer o jantar? Já são oito horas....”
- Valha, descuidei.... já estou indo, querida!
- E não esquece do meu doce de abóbora....”
- É claro, meu amor....
domingo, 20 de fevereiro de 2011
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