Qualquer um que esteja consciente da incondicional dignidade do ser humano também há de ter um respeito incondicional pela pessoa humana – mesmo tratando-se de alguém com uma doença mental incurável. Aliás, se bem pensarmos, “doença mental” não existe, pois o “espírito”, a pessoa espiritual, não pode de maneira nenhuma adoecer. Mesmo na psicose ele ainda se encontra aí, se bem que pouco “visível”.
A dimensão espiritual do homem não pode ser perdida. Ela está presente na criança, só que não se desenvolveu ainda –, da mesma forma que a linguagem já existe no recém-nascido, só que ainda não chegou a manifestar-se. Está presente na pessoa debilitada pela idade e com o cérebro perturbado, só que encoberta por fatores biológicos. E também no esquizofrênico, embora restringida por obstáculos neuroquímicos. Vibra no viciado em drogas, embora paralisada por fatores artificiais. É só a constante existência da dimensão espiritual do homem que garante sua intocável dignidade.
O elemento espiritual estando bloqueado, deixa de manifestar-se visivelmente aquilo que é próprio e específico do ser humano. Assim, uma criança pequena, uma pessoa embriagada ou um débil mental não se diferenciam muito de um animal inteligente, porque a liberdade espiritual e a capacidade de julgamento, e com elas a capacidade humana de tomar decisões e de assumir responsabilidade, foram drasticamente reduzidas. Mas continua a existir uma diferença, naquela potencialidade que não pode perder-se – naquela dimensão que se localiza para além da saúde e da doença, da inteligência e da bronquice, mesmo que não possa manifestar-se através das outras dimensões do ser.
Por aí podemos concluir se um tratamento logoterapêutico é indicado ou não. Quando a dimensão noética da pessoa estiver “adormecida”, inteiramente enevoada por alguma inconsciência em outro plano do ser, por imaturidade ou por doença, o tratamento logoterápico não será possível. Mas em todos os outros casos a Logoterapia pode ajudar: mesmo no caso de crianças mais crescidas e de jovens, e mesmo com pessoas senis, mentalmente retardadas, ou psicóticas em escala restrita. Os espaços livres dessas pessoas costumam ser maiores do que se pensa.
A Logoterapia pode produzir resultados tanto nas perturbações corporais e psíquicas que ecoam no espírito, como também nas frustrações do espírito que tenham influência no psíquico e no psicossomático. Quando a logoterapia puder ser aplicada, sempre há de existir alguma interação entre o psicofísico e o espiritual. Mas é exatamente isso que caracteriza o pulsar da vida humana como um todo: a interação entre o material e o ideal, entre o que foi afetado e o que permanece intacto, entre o que é passageiro e o que é permanente.
Quando alguém nega a existência, no ser humano, de algo que seja “são” e incólume, que não esteja sujeito à doença, nós nos encontramos diante de uma visão que considera o homem como se ele não passasse de uma máquina necessitada de conserto. De fato, quem ignora a dimensão espiritual do ser humano, não admite que algo possa estar intacto, apesar de não encontrar-se dentro das normas, ou mesmo que exista sofrimento apesar da saúde. Os desvios da norma passam a ser vistos como meras fraquezas funcionais, e quem não funciona da maneira esperada passa a ser considerado enfermo.
Quando o paciente, por exemplo, se interroga pelo sentido de sua vida, ele estaria sofrendo de “auto-agressão”. Quando alguém não demonstra entusiasmo por seu terapeuta, diz-se que ele manifesta “resistências”.. Quando um artista procura realizar um projeto criativo, ele estaria com “complexos de inferioridade”. Logo nos deparamos com uma discriminação genérica contra os desejos e as realizações espirituais, ignorando-se a existência, no homem, de uma instância situada além da saúde e da doença. Este erro recebe o nome de “psicologismo”.
Em toda parte o psicologismo só vê máscaras, e por trás dessas máscaras não quer enxergar outra coisa a não ser motivos neuróticos. Tudo lhe parece impróprio e inautêntico. A arte, para ele, em última análise não é outra coisa senão uma fuga da vida ou do amor; a religião não seria outra coisa senão o medo do homem primitivo frente aos poderes cósmicos. Os grandes gênios espirituais são descartados como neuróticos ou psicopatas. Um gênio como Goethe, por exemplo, não passaria de um neurótico. Tal linha de pensamento, na verdade, não enxerga nada de próprio, na verdade ela não percebe coisa alguma.
No psicologismo nós nos deparamos mais uma vez com aquele erro que projeta os fenômenos da dimensão espiritual sobre a dimensão psíquica. Ele nega a individualidade da pessoa humana, para a qual os desvios da norma não têm que ser sinais de doença, mas podem ser formas pessoais do projeto de vida, portanto expressão sobretudo do que permanece intacto no homem. Só no psicofísico é que qualquer desvio da norma é sintoma de doença. Já no espiritual, aquilo que não cabe dentro dos moldes, aquilo que é “específico” de cada um, encontra a forma que lhe é própria.
Assim como o pandeterminismo nega ao homem a liberdade e a responsabilidade, assim também o psicologismo fecha os olhos para aquilo que o ser humano possui de mais autêntico: a criatividade e a espiritualidade.
Um homem lhe disse: Mestre, eu trouxe meu filho que tem um espírito mudo. ... Pedi a teus discípulos que o expulsassem, mas não puderam. ... Se de alguma maneira o podes, usa de piedade conosco e nos ajuda. Jesus, porém, lhe disse: Se podes! Tudo é possível para quem crê. Imediatamente exclamou o pai do menino: Eu creio, mas ajuda minha falta de fé. Vendo Jesus que o povo acorria, ordenou ao espírito impuro e lhe disse: Espírito mudo e surdo, eu te ordeno, sai desse menino e não voltes a entrar nele. Gritando e maltratando muito o menino, o espírito saiu.
Evangelho de Marcos 9,17-26
Enviado por Carlos Almeida Pereira, Campina Grande - Pb
sábado, 29 de março de 2008
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