domingo, 9 de março de 2008

Liberdade X Destino

Prezado/a amigo/a:

Se Você já leu – ou quando tiver lido – a mensagem “Por Que Aderi à Logoterapia”, saberá o que foi que levou-me a dar início a esta série. Bem sei que a rápida leitura de uns poucos textos não pode, em tão pouco tempo, levá-lo/a ao mesmo envolvimento com o tema que os vários livros que ao longo dos anos cheguei a traduzir sobre o assunto. Mas ficará sabendo das três iniciativas que assumi: 1) o grupo daqueles que se reúnem semanalmente em minha casa para ler e discutir um texto; 2) o grupo dos que recebem esse texto pela internet (cerca de 200 participantes); e 3) o grupo que os recebe pelo correio (no momento, papenas uma dúzia de pessoas). O que me importa conseguir com isso é antes de tudo que Você chegue a perceber a semelhança – quase que diria: a identidade - entre a visão do homem da escola científica da Logoterapia e a visão do homem da religião cristã. Se chegar a perceber isto, Você estará em condições de adotar e de difundir com mais eficácia este modo de pensar entre as pessoas de suas relações: Talvez difundindo esses textos entre os seus amigos/as e conhecidos/as; talvez lendo-os em comum e comentando-os na família ou em outros grupos; ou ainda por outras maneiras, que Você mesmo/a há de encontrar. É este o encarecido pedido que lhe faço hoje através destas linhas.
No anexo, a mensagem número 42. A todos um abraço de grande amizade:
Carlos Almeida
---Carlos AlmeidaTel: 83 3321-0084 Skype: carlostrad


08-03-2008
Fonte: Elisabeth Lukas, Lehrbuch der Logotherapie

42. Liberdade X Destino

Vimos que é extremamente importante fazer distinção entre a dimensão psíquica e a dimensão noética do homem, sem confundir uma com a outra. Precisamos estar conscientes da força de “obstinação do espírito” (“Trotzmacht des Geistes” - como a chamou Viktor Frankl), contra o poder, aparentemente tão grande, do “psicofísico”.
A dimensão psíquica e a dimensão noética não estão simplesmente uma ao lado da outra, elas interagem entre si, podendo até mesmo opor-se. Quando alguém nega a dimensão noética, ou seja, a liberdade espiritual do homem, será forçado a considerá-lo como alguém que se encontra desamparadamente nas mãos do destino. É este o erro do pandeterminismo.
A psicoterapia teve início com a idéia de que a vida de qualquer pessoa era prescrita e determinada pela infância boa ou má dessa pessoa (Freud). Viktor Frankl foi o primeiro entre os pioneiros a levar em conta a liberdade do homem. Ele percebeu que a liberdade espiritual do homem não é a liberdade “de” alguma coisa, daquilo que lhe possa acontecer, mas sim a liberdade “para” alguma coisa: para tomar posição frente às condições existentes, afirmando-as ou negando-as, seguindo-as ou resistindo-lhes.
Não é negada a vida instintiva, mas a atenção está voltada para o fato de o homem, como ser espiritual, não apenas se contrapor ao mundo, mas também posicionar-se em relação a ele – e de este posicionamento ser livre. Em cada momento de sua existência o homem toma posição não somente em relação ao ambiente natural e social, mas também em relação ao meio exterior, bem como em relação ao mundo psicofísico interior. Consideremos isto com o auxílio de três exemplos.
1) Quem não terá experimentado a angústia, esse desagradável sentimento (psíquico) de que estamos sendo ameaçados por alguma coisa! A angústia localiza-se na dimensão psíquica, e está relacionada com sintomas vegetativos na dimensão somática (batimentos cardíacos, palidez, tremores). Damos o nome de “destino” a tudo quanto nos acontece independentemente de nossa vontade. Como a angústia não depende de nós, dizemos que ela faz parte do destino. O sentimento da angústia, uma vez estabelecido, não pode mais simplesmente ser mandado embora. Mas na dimensão espiritual ocorre a decisão sobre como reagiremos à angústia: se a levaremos a sério ou se a desprezaremos, se fugiremos dela ou se, apesar dela, enfrentaremos a situação. Aqui nós podemos escolher, aqui existe liberdade. Nós não ficamos livres “da” angústia, mas nós somos livres “para” nos posicionar em relação à angústia.
2) A pessoa que teve uma infância infeliz não está livre dos efeitos que isto acarreta, mas está livre para tomar posição em relação a esse fato. Muitos pais dizem: “Eu apanhei quando pequeno, por isso, quando me zango, eu também bato a torto e a direito!” Já outros pais dizem: “Como eu apanhei muito quando criança, quero que meus filhos não passem pelo que eu passei. Então eu não apelo para os castigos!” Não resta dúvida que a educação exerce uma grande influência, mas não uma influência total. A partir de certo grau de amadurecimento, cada pessoa é livre para educar-se a si própria. A auto-educação passa, então, a depender cada vez menos da “vontade dos pais”, e cada vez mais de um “dever experimentado como próprio pela pessoa”.
3) Ações instintivas - Um animal é escravo dos instintos. Se estiver com fome e encontrar ração, ele “tem que” ir atrás da ração e devorá-la. O ser humano, pelo contrário, pode estar com fome – é este o seu “destino” - e não obstante dar sua última fatia de pão a um colega que talvez esteja dela mais necessitado do que ele – é esta a sua “liberdade”. Na dimensão somática o estômago há de roncar e a queda de açúcar no sangue irá trazer-lhe dificuldades. Na dimensão psíquica o desejo do pão ou as fantasias da comida continuarão a atormentá-lo. Mas na dimensão noética a pessoa abstrai da fome e, se o quiser, disporá soberanamente da pressão psicofísica que passa a experimentar.
Com isto o homem comprova-se como o ser que é capaz de responder em liberdade ao seu destino, por isso podendo também assumir sua responsabilidade. A Logoterapia é uma visão não-determinista. Com ela a responsabilidade e a culpabilidade voltam a ter lugar na psicoterapia. Não havendo possibilidade de escolha, também não pode existir culpa. Mas se houver possibilidade de escolha, a escolha feita deve ser assumida. E pode acontecer também que se faça uma escolha má ou errada, uma escolha “com mais sentido” ou “com menos sentido”. A culpa não é outra coisa senão uma “escolha contrária ao sentido”.
Assim, para a Logoterapia, o homem não é vítima do seu destino, ele é co-autor. O destino nunca explica por completo o comportamento de uma pessoa. A psicologia tradicional tende a distribuir desculpas psicológicas a torto e a direito, porque considera as pessoas como dependentes, com isto criando uma “mentalidade de vítima”. Para a Logoterapia esta é uma atitude lamentável. Levianamente se afirma que um assassino não poderia ter deixado de ser assassino por causa das péssimas condições de sua infância, ou do ódio represado durante muito tempo, ou por razões semelhantes.
Para a Logoterapia, a pessoa sempre é capaz de tomar posição interiormente quanto às circunstâncias de sua infância, aos sentimentos de ódio, aos complexos maternais etc., e sempre pode decidir o que fazer com esses sentimentos. Retirar a alguém este último espaço, considerá-lo como um ser incapaz e sem vontade própria, como uma marionete, um “robô” inapelavelmente sujeito aos condicionamentos da vida, seria a pior “condenação”. É isto que caracteriza o pandeterminismo, o erro de considerar tudo como destino. Na realidade sempre resta uma forma pessoal de liberdade, uma pequena presença do imprevisível na vida humana. Esta indeterminação resulta da dimensão noética.




Depois de (o filho pródigo) gastar tudo, houve uma grande fome naquela terra e ele começou a passar necessidade. Foi pôr-se a serviço de um dos cidadãos daquela terra, que o mandou para os campos cuidar dos porcos. ... Caindo em si, ele disse: ... “Vou partir em busca de meu pai e lhe direi: Pai, pequei contra o céu e contra ti. Já não sou digno de ser chamado teu filho. Trata-me com um dos empregados”. E levantando-se, voltou para a casa do pai.
Evangelho de Lucas 15,14-20

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