Lya Luft
"Ex-companheiros podem se reaproximar com bondade, tolerância e parceria, porque aprenderama ser mais tolerantes, porque ficaram mais sábios".
No meio desse mundo dominado por mediocridade e sordidez – que se manifestam sobretudo na vida pública, na qual há muito o bem do cidadão tem menos importância que o bolso e o poder dos que deviam cuidar dele –, aparecem dados positivos. Alguns, quase extraordinários, nos consolam, nos fazem pensar, nos servem de modelo. Falo em velhos casais separados, que voltaram a ter companheiros, mas se vêem outra vez sozinhos, por viuvez ou nova separação. Separação é sempre triste. Não há nenhuma alegrinha ou animada, tudo provoca culpa ou rancor. Filhos envolvidos sofrem sempre. O melhor que os pais podem fazer é decidir de coração aberto: "Não somos mais marido e mulher, mas somos pais desses filhos". Se isso for levado a sério, muita dor será evitada. Pessoas dignas e decentes conseguem fazer isso, passada a primeira tempestade de emoções. Os filhos convivem com pai e mãe, ambos igualmente interessados em sua vida, sua saúde, sua escola, suas amizades, seu crescimento enquanto seres humanos. O chão só se abre quando, o que é comum, os pais – ou um deles (a triste figura é em geral a materna) – usam os filhos para denegrir ou ferir o outro. Talvez o tempo nos torne mais civilizados nisso.
Gira a roda do tempo, chega a velhice, tão amaldiçoada por uma cultura que endeusa a juventude e os dotes físicos, para pessoas com rala bagagem interior. Em lugar de curtir a experiência, a serenidade e a sabedoria de sua idade, essas pessoas correm atrás de caricaturas dos jovens que foram. Mas, repito, chega a velhice, que tem aspectos bons e ruins, assim como os tem a juventude. Os que outrora foram um casal estão mais uma vez sozinhos. Velhice solitária pode ser triste e perigosa, pois, sendo mais frágeis, mais do que nunca os velhos precisam de cuidados e afeto, que os filhos nem sempre podem dar. E eis que ex-cônjuges, na velhice, sozinhos, resolvem voltar a morar juntos.
Vejo bocas abertas de espanto: "O quêêê? Depois de velhos?". Pois exatamente depois de velhos – para se fazerem companhia, para não pesarem demais aos filhos, seja por preocupação ou financeiramente, seja apenas pelo prazer de estarem de novo unidos – ex-casais voltam a morar juntos. Em geral, em quartos separados, como amigos de verdade. E, se for para dormirem na mesma cama, qual o problema? O que temos com a vida dos outros? O que temos com a vida de nossos pais, a não ser para lhes fazer bem, para lhes dar carinho e cuidados, e zelar pela sua maior felicidade, depois de tudo o que nos deram?
Mas em geral não queremos o bem do outro: queremos controlar sua vida, e que ele seja feliz segundo nossos desejos. Cansei de ver velhos homens ou velhas senhoras obrigados, pelo amor filial, a sair de suas casas, a não viajar mais, a deixar de fazer uma série de coisas boas e ainda possíveis porque "os filhos não o querem". Lógico que, se for um perigo para o bem-estar ou a saúde, se eles forem pessoas fragilizadas ou doentes, tudo muda de figura. Mas não é sempre assim. Talvez exageremos nesse cuidado, podando vidas que ainda podiam ser produtivas ou mais felizes, cobrando inconscientemente as preocupações que nos causam. Filhos não são sempre bons filhos, pais nem sempre são bons pais.
Mas voltemos aos velhos ex-cônjuges que voltam a morar juntos: economia nas despesas, generosidade na parceria, menos aflição para os outros. No começo, em geral, há uma fase de acomodação ou readaptação: nem ele nem ela são os mesmos de antigamente. Mas os de antigamente brigavam por razões que hoje talvez não existam mais. E eles podem se reaproximar com bondade, tolerância e parceria, por novos motivos: porque as implicâncias ou a traição ou o tédio não existem mais; porque aprenderam a ser mais tolerantes; porque ficaram mais sábios; porque é muito melhor dependerem um do outro, ajudando-se mutuamente, do que dependerem de filhos, muitas vezes ocupados e cansados demais com a vida cheia de compromissos que é a de hoje.
Acho uma linda idéia: ex-amantes brigados, que se tornam novos amigos. E por que não? Coisas boas também acontecem.
Lya Luft é escritora
Fonte: Revista VEJA
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