Frei Betto
Escritor e assessor de movimentos sociais
Fé e ciência nem sempre tiveram um bom diálogo. As primeiras respostas às indagações do ser humano a respeito do cosmo, dos fenômenos naturais e da vida, foram dadas pela religião. Xamãs, feiticeiros, gurus e sacerdotes faziam a mediação entre o Céu e a Terra.
A religião é filha da fé e a ciência, da razão. Frente às pesquisas científicas dos gregos antigos a religião mirou com os olhos da desconfiança. Não admitia que os fatos narrados na Bíblia fossem apenas mitos e símbolos, sem base científica, como a existência de Adão e Eva, a construção da Torre de Babel e o Dilúvio Universal.
Durante 1.300 anos a Igreja se apegou à cosmologia de Ptolomeu (90-168), adequada à crença de que a Terra é o centro do Universo, no qual Deus se encarnou em Jesus.
Se a fé parte de verdades reveladas que, por sua vez, exigem adesão de fé, sem comprovação experimental, a ciência é o reino da dúvida e se apóia em pesquisas empíricas. A fé apreende a essência das coisas; a ciência, a existência.
Para a ciência, não importa quem ou o por quê, importa o como. A ela não interessa quem criou o Universo e qual a finalidade de nossas vidas. Quer saber como funcionam as leis cosmológicas, como as forças da natureza interagem entre si, como retardar o envelhecimento de nossas células, ampliando nosso tempo de vida.
O diálogo entre fé e ciência iniciou-se quando, na modernidade, a razão se emancipou da religião. Copérnico, Galileu e Giordano Bruno que o digam. Houve atritos e condenações recíprocas, até que a extensa obra do jesuíta Pierre Teilhard de Chardin (1881-1955) – geólogo, paleontólogo e teólogo – fez a Igreja Católica reconhecer que a fé pode não estar de acordo com o uso que se faz de descobertas científicas, como a fissão do átomo para a construção de ogivas nucleares, mas jamais negar a autonomia da ciência e o modo como ela desvenda os mistérios da natureza.
Nesse intuito de atualizar o diálogo entre a ciência e a fé é que a editora Agir reuniu, durante três dias, em hotel do Rio, o físico teórico Marcelo Gleiser e eu, mediados por Waldemar Falcão, espiritualista e pesquisador de fenômenos esotéricos. De nosso encontro resultou o livro "Conversa sobre a fé e a ciência”, que chegou esta semana às livrarias.
Marcelo Gleiser é originário de família judia, formado em física pela PUC-Rio e, hoje, professor e pesquisador na Universidade de Dartmouth, nos EUA. Autor de excelentes obras, como a recente "Criação Imperfeita” (Record), Gleiser considera-se agnóstico. Surpreendeu-me seus conhecimentos de história das religiões e de como elas se relacionam com a ciência.
Não tenho formação científica, mas muito cedo me interessei pelas obras de Teilhard de Chardin. Em 1963 publiquei apostilas sobre seu pensamento, hoje reunidas no livro "Sinfonia Universal – a cosmovisão de Teilhard de Chardin”, cuja nova edição a Editora Vozes fará chegar às livrarias ainda este ano.
Mais tarde, vi-me obrigado a me improvisar em professor de química, física e biologia num curso supletivo. O dever virou prazer e me levou a escrever "A obra do Artista – uma visão holística do Universo”, cuja nova edição a José Olympio prepara para o segundo semestre.
Gleiser leu meus livros e eu os dele, o que favoreceu o nosso diálogo, no qual houve mais convergência que divergência, sobretudo no que concerne à correta postura da ciência diante da fé e da fé diante da ciência.
São esferas independentes, autônomas e que, no entanto, encontram suas sínteses em nossas vidas. Ninguém prescinde da ciência e de sua filha dileta, a tecnologia, assim como todos têm uma dimensão de fé, ainda que restrita ao amor que une marido e mulher.
Marcelo Gleiser e eu coincidimos que a finalidade da ciência não é obter lucros (vide as indústrias farmacêuticas e bélicas), e nem a da fé impor verdades (vide o fundamentalismo) ou arrecadar fundos (Jesus é o caminho, mas o padre ou pastor cobram o pedágio...).
Ciência e fé servem para nos propiciar qualidade de vida, conhecimento da natureza e sentido transcendente à existência. Se pela fé descobrimos a origem e a finalidade do Universo e da vida e, pela ciência, como funcionam um e outro, tudo isso pouco importa se não nos conduz ao essencial: a uma civilização na qual o amor seja também uma exigência política.
[Frei Betto é escritor, autor, em parceria com Marcelo Barros, de "O amor fecunda o Universo – ecologia e espiritualidade” (Agir). site: http://www.freibetto.org/ - twitter:@freibetto
Enviado por Juciara Melo, Salvador/Ba
terça-feira, 29 de março de 2011
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