Capistrano de Abreu é tio-avô de Itacoeli de Abreu Franco.
Em "Descobrimentos de Capistrano", o historiador carioca Daniel Mesquita se debruça sobre o pensamento do célebre Capistrano de Abreu, cearense que inaugurou métodos inovadores para a historiografia e as interpretações da construção do País
O menino que aprendeu cantigas africanas com os escravos do sítio Columijuba, em Maranguape, ambientou-se nos costumes próprios da Casa Grande, estimulados pelo avô, Honório de Abreu. A míope e desasseada criança não tinha más notas na escola, mas não se interessava de todo pelo estudo regular. Era um leitor compulsivo, mas de outros livros. Segundo Rodolfo Teófilo, que com ele estudou no Colégio Ateneu Cearense, o menino carregava os livros aonde fosse, mesmo nas recreações promovidas mensalmente pela escola no Morro do Coroatá.
No Seminário Episcopal de Fortaleza, a instituição chegou a aconselhar o pai do garoto a levá-lo de volta para o sítio e lá dar conta de consertar sua preguiça e vadiação. Por não se enquadrar ao ensino formal, não conseguiu ser aceito na faculdade de Direito, decidindo se mudar para o Rio de Janeiro. E finalmente lá, o garoto leitor que se tornou homem feito, encontrou-se com a História e se deixou encontrar por ela, sendo mais tarde reconhecido por sua generosa contribuição ao estudo do tempo passado e ao registro da nacionalidade brasileira: o desajeitado e cegueta cearense Capistrano de Abreu.
De posse de todos os livros que quisesse, tendo passado em um concurso público para trabalhar na Biblioteca Nacional, Capistrano abraçou um tal desejo: escrever a História do Brasil, superando os muros do tradicional historiador Adolfo de Varnhagen, à época, o mais conhecido e respeitado estudioso do tema.
Colônia
Mas se Capistrano tinha mesmo essa ânsia por abarcar uma totalidade da história brasileira, porque acabou escrevendo uma história modesta, resumida em "Capítulos de História Colonial"? A ousada pergunta compõe o conjunto de questionamentos propostos pela pesquisa de doutorado do historiador Daniel Mesquita, da PUC-Rio, autor da obra "Descobrimentos de Capistrano: a História do Brasil ´a grandes traços e largas malhas´", lançado este mês pela editora Apicuri. No livro, o autor explora um Brasil e um Capistrano em latência. Objeto e pesquisador em constante transformação. Daniel contextualiza um Capistrano de Abreu testemunha de eventos cruciais para a formação nacional como a proclamação da República e a abolição da escravidão, um pesquisador que contribuiu ativamente não apenas para o registro desse País em transformação, mas para a constituição de um novo campo de saber.
Para tanto, o autor carioca faz uso de densa documentação, analisando não apenas as obras de Capistrano, mas teóricos, biógrafos e cartas enviadas pelo cearense a contemporâneos. A partir do material reunido, Daniel divide o livro em duas etapas: a elaboração de uma noção de Brasil e brasilidade por Capistrano e a formação do historiador e da historiografia como ciência.
Encontrados no Instituto Histórico e Arqueológico do Ceará, "recortes de jornais colados em papéis de punho do historiador cearense", como o próprio Daniel descreve, deram-lhe a oportunidade de perceber Capistrano dialogando consigo mesmo. É nesse sentido que o pesquisador carioca inova: por buscar a essência de um Capistrano em formação, que substituía palavras nos originais dos próprios livros, evocando significados mais aproximados do que realmente procurava dizer. Trocara, por exemplo, "unidade brasileira" por "nacionalidade brasileira", ressaltando sua intenção de traduzir o que chamou de "história íntima".
Em resumo, o pesquisador carioca declara que as ambições de Capistrano se confundem com as de todo um povo, que mesmo sem perceber ou declarar, também ansiava pelo registro de sua trajetória, pela identificação dos personagens anônimos que o precedera. "O desejo de decifrar o sentido da experiência vivida pelos homens e de oferecer à nação uma narrativa de sua gênese, dá-nos testemunho daquilo que Capistrano considerava como o sentido de realização de sua própria vida", afirma Daniel.
História do Brasil
Descobrimentos de Capistrano, de Daniel Mesquita
Apicuri
2010
263 páginas
R$ 48
MAYARA DE ARAÚJO
ESPECIAL PARA O CADERNO 3
O menino que aprendeu cantigas africanas com os escravos do sítio Columijuba, em Maranguape, ambientou-se nos costumes próprios da Casa Grande, estimulados pelo avô, Honório de Abreu. A míope e desasseada criança não tinha más notas na escola, mas não se interessava de todo pelo estudo regular. Era um leitor compulsivo, mas de outros livros. Segundo Rodolfo Teófilo, que com ele estudou no Colégio Ateneu Cearense, o menino carregava os livros aonde fosse, mesmo nas recreações promovidas mensalmente pela escola no Morro do Coroatá.
No Seminário Episcopal de Fortaleza, a instituição chegou a aconselhar o pai do garoto a levá-lo de volta para o sítio e lá dar conta de consertar sua preguiça e vadiação. Por não se enquadrar ao ensino formal, não conseguiu ser aceito na faculdade de Direito, decidindo se mudar para o Rio de Janeiro. E finalmente lá, o garoto leitor que se tornou homem feito, encontrou-se com a História e se deixou encontrar por ela, sendo mais tarde reconhecido por sua generosa contribuição ao estudo do tempo passado e ao registro da nacionalidade brasileira: o desajeitado e cegueta cearense Capistrano de Abreu.
De posse de todos os livros que quisesse, tendo passado em um concurso público para trabalhar na Biblioteca Nacional, Capistrano abraçou um tal desejo: escrever a História do Brasil, superando os muros do tradicional historiador Adolfo de Varnhagen, à época, o mais conhecido e respeitado estudioso do tema.
Colônia
Mas se Capistrano tinha mesmo essa ânsia por abarcar uma totalidade da história brasileira, porque acabou escrevendo uma história modesta, resumida em "Capítulos de História Colonial"? A ousada pergunta compõe o conjunto de questionamentos propostos pela pesquisa de doutorado do historiador Daniel Mesquita, da PUC-Rio, autor da obra "Descobrimentos de Capistrano: a História do Brasil ´a grandes traços e largas malhas´", lançado este mês pela editora Apicuri. No livro, o autor explora um Brasil e um Capistrano em latência. Objeto e pesquisador em constante transformação. Daniel contextualiza um Capistrano de Abreu testemunha de eventos cruciais para a formação nacional como a proclamação da República e a abolição da escravidão, um pesquisador que contribuiu ativamente não apenas para o registro desse País em transformação, mas para a constituição de um novo campo de saber.
Para tanto, o autor carioca faz uso de densa documentação, analisando não apenas as obras de Capistrano, mas teóricos, biógrafos e cartas enviadas pelo cearense a contemporâneos. A partir do material reunido, Daniel divide o livro em duas etapas: a elaboração de uma noção de Brasil e brasilidade por Capistrano e a formação do historiador e da historiografia como ciência.
Encontrados no Instituto Histórico e Arqueológico do Ceará, "recortes de jornais colados em papéis de punho do historiador cearense", como o próprio Daniel descreve, deram-lhe a oportunidade de perceber Capistrano dialogando consigo mesmo. É nesse sentido que o pesquisador carioca inova: por buscar a essência de um Capistrano em formação, que substituía palavras nos originais dos próprios livros, evocando significados mais aproximados do que realmente procurava dizer. Trocara, por exemplo, "unidade brasileira" por "nacionalidade brasileira", ressaltando sua intenção de traduzir o que chamou de "história íntima".
Em resumo, o pesquisador carioca declara que as ambições de Capistrano se confundem com as de todo um povo, que mesmo sem perceber ou declarar, também ansiava pelo registro de sua trajetória, pela identificação dos personagens anônimos que o precedera. "O desejo de decifrar o sentido da experiência vivida pelos homens e de oferecer à nação uma narrativa de sua gênese, dá-nos testemunho daquilo que Capistrano considerava como o sentido de realização de sua própria vida", afirma Daniel.
História do Brasil
Descobrimentos de Capistrano, de Daniel Mesquita
Apicuri
2010
263 páginas
R$ 48
MAYARA DE ARAÚJO
ESPECIAL PARA O CADERNO 3
Nenhum comentário:
Postar um comentário