Pesquisa mostra novas possibilidades na relação corpo-pensamento
Ao entrar em um café movimentado, você provavelmente verá pessoas conversando e gesticulando. Um homem no balcão indica o café que deseja ─ xícara média, ─ e suas mãos assumem um formato familiar, mostrando o tamanho da xícara. Ao lado dele, duas irmãs riem. Enquanto uma delas conta uma história sobre sua viagem a Fernando de Noronha e todos os peixes que viu nos mergulhos que fez, suas mãos sacodem e se movem rapidamente no mar invisível à sua frente. O instinto de gesticular acompanhando a fala é fundamental para a natureza humana.
Se você já questionou o porquê dos gestos, provavelmente pensou que gesticulamos para auxiliar na compreensão do que estamos querendo dizer. Indicar o tamanho de uma xícara ou a dose de uma bebida pode ajudar o balconista a entender exatamente o que você deseja. Mostrar onde o peixe se escondeu ou a velocidade com que ele se movimentou pode ajudar a amiga a criar uma imagem mais exata da sua percepção dos recifes locais.
Mas, será que os gestos podem ter também outra finalidade? Muitos cientistas acreditam que os gestos podem ajudar o interlocutor e os movimentos das mãos ajudam a pensar. Cientistas se interessam cada vez mais pela relação corpo-pensamento, ou como nosso corpo dá forma a processos mentais abstratos. Os gestos estão no centro dessa questão. O debate se concentra no papel do movimento na aprendizagem, e nas pesquisas sobre como os alunos aprendem a resolver problemas de matemática na sala de aula.
A titulo de ilustração, considere o problema da soma: 3 + 2 + 8 = _ + 8. Um aluno pode criar uma forma de “v”, com o indicador e o dedo médio, entre os algarismos 2 e 3, enquanto tenta entender o conceito de “agrupamento”, somando os números adjacentes, técnica que pode ser usada para resolver o problema.
Pesquisas anteriores mostraram que quando foi solicitado aos alunos para gesticular enquanto conversassem sobre problemas, aprenderam a resolvê-los de forma mais eficiente. Isso foi verificado, independentemente de se dizer aos alunos quais gestos fazer ou se os gestos eram espontâneos.
Agora a questão é: como isso acontece? O novo estudo, conduzido por Susan Goldin-Meadow e Zachary Mitchell, da University of Chicago, e por Susan Wagner-Cook, da University of Iowa, teve como foco a resolução de problemas matemáticos por alunos de terceira e quarta séries do ensino básico. Os alunos treinados a utilizar a forma de “v”, ao resolver um problema como 3 + 2 + 8 = __ + 8, aprenderam a solucioná-lo com maior eficácia. Além disso, os alunos apresentaram melhor desempenho mesmo se treinados a empregar a forma de “v” em pares de números errados. Pelo simples ato de fazer o gesto o corpo sugere o conceito de “agrupamento”.
A questão então é: qual teria sido exatamente o procedimento que permitiu isso? Durante o estudo, todos os alunos memorizaram a frase “Quero deixar um lado igual ao outro”. Na ocasião, foi solicitado que os alunos dissessem a frase em voz alta quando fosse apresentado um problema a ser resolvido. Os autores sugerem que os alunos que gesticularam também tentaram criar uma correlação entre a fala e os gestos de forma a unir os dois significados. Esse procedimento poderia consolidar o novo conceito de “agrupamento” na mente dos alunos.
O mesmo processo poderia ocorrer em qualquer situação em que a pessoa que fala e gesticula tenta entender, seja relembrando detalhes de eventos passados ou imaginando como montar uma bicicleta recém retirada da embalagem.
O estudo tem implicações importantes para o campo da Psicologia Cognitiva.
Historicamente, esse campo entende conceitos (os elementos básicos do pensamento), como representações abstratas que não contam com a fisicalidade. Essa noção, conhecida como dualismo cartesiano, agora está sendo desafiada por outra linha de pensamento, chamada Cognição Corporal, que entende conceitos como representações corporais baseadas na percepção, ação e emoção. Embora muitas evidências sustentem a visão da Cognição Corporal, até agora nunca existiu um relato detalhado baseado em experimentos de como a incorporação dos gestos desempenha um papel na aprendizagem de novos conceitos.
O estudo também tem implicações práticas aos professores didáticas, que podem reformular sua didática para ensinar aos alunos novos conceitos utilizando gestos. Os resultados desse estudo podem não valer para os gestos feitos em bares e cafés que você costuma frequentar, no entanto, na próxima vez que conversar com uma amiga gesticuladora, pode ser interessante considerar como o movimento das mãos contribuem para dar forma aos pensamentos dela e aos seus.
Fonte: Site UOL
sábado, 26 de setembro de 2009
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