Ruth de Aquino
RUTH DE AQUINO
é colunista de ÉPOCA
raquino@edglobo.com.br
Quase 1.000 alunos são punidos, suspensos ou expulsos por
dia nas escolas. Quase 1.000 por dia, alguns com 5 anos de idade! Por abusos
verbais e físicos. No ano passado, 44 professores foram internados em hospitais
com graves ferimentos. Diante do quadro-negro, o governo decidiu que professores
poderão "usar força" para se defender e apartar brigas. E poderão revistar
estudantes em busca de pornografia, celulares, câmeras de vídeo, álcool, drogas,
material furtado ou armas.
Achou que era no Brasil? É na Grã-Bretanha.
Os dados são de um relatório governamental. "O sistema escolar entrou em
colapso", diz Katharine Birbalsingh, demitida do Departamento de Educação depois
de criticar a violência nas escolas públicas inglesas. "Os professores acabam
sendo culpados pela indisciplina. A diretoria da escola estimula essa teoria, os
alunos a usam como desculpa e até os professores começam a acreditar nisso. Eles
não pedem ajuda com medo de parecer incompetentes."
Os alunos jogam a cadeira no mestre, chutam a perna do mestre, empurram, xingam.
Ou furam o mestre com o lápis, fazem comentários obscenos, estupram, ameaçam com
facas. Alguns são casos extremos pinçados pela imprensa. Os números na
Grã-Bretanha preocupam. Mostram que as escolas precisam restaurar a autoridade
perdida. Muitos professores abandonaram a profissão por se sentir impotentes.
Educadores mais rigorosos pregam tolerância zero com alunos bagunceiros e que
não fazem seu dever de casa.
As reflexões de lá são iguais às de cá. A violência nas escolas seria uma
continuação do lado de fora, na rua e nos lares. A hierarquia cai em desuso.
Valores e limites, que quer dizer isso mesmo? Crianças e adolescentes não
respeitam ninguém. Nem os pais, nem as autoridades, nem os vizinhos, os
porteiros, os pedestres, os colegas, as namoradas. Há uma falta de cerimônia,
pudor e educação no sentido mais amplo.
E aí a culpa é jogada nos pais. Por não mostrarem o certo e o errado. Não
abrirem um tempo de qualidade com os filhos. Esquecê-los em frente a um
computador ou televisão. O de sempre. O aluno que peita o professor também xinga
os pais. Aric Sigman, da Royal Society of Medicine, em Londres, autor do livro
The spoilt generation (A geração mimada) , afirma que, hoje, até criancinhas nas
creches jogam objetos e cadeiras umas nas outras. "Há uma inversão da
autoridade. Seus impulsos não são controlados em casa. É uma geração mimada que
ataca especialmente as mães", diz ele.
Muitos professores abandonam o ensino por se sentir impotentes diante da
violência dos alunos
E o que o governo britânico faz? Manda o professor revidar. Até agora, ele era
proibido de tocar no aluno, mesmo ao ensinar um instrumento numa aula de música.
A nova cartilha promete superpoderes aos professores. Mestres, usem "força
razoável", vocês agora têm a última palavra para expulsar um aluno agressivo,
revistem mochilas suspeitas. Dará certo? Não acredito. Sem diálogo e consenso
entre famílias, escolas, educadores e psicólogos, esse pesadelo não tem fim.
No Brasil, a socióloga Miriam Abramovay, da Faculdade Latino-Americana de
Ciências Sociais (Flacso), admite que os professores passaram a ter medo. Numa
pesquisa para a Unesco em Brasília, em 2002, um depoimento a chocou: "Um
professor me disse que ia armado para a escola. Como se fosse uma selva. Isso
mostra total descrença no sistema". Ela acha que o Brasil está investindo
dinheiro demais em bullying, mas esquece todo o resto: "Nossa escola é de dois
séculos atrás". Os ataques aos professores não se limitam à sala de aula. Carros
dos mestres são arranhados, pneus são furados. Eles não têm apoio nem ideia de
como reagir. Muitos trocam de escola ou abandonam a profissão.
Quando Cristovam Buarque era ministro de Lula, tinha, com Miriam, um projeto
nacional de "mediação escolar" para prevenir conflitos, melhorar o ambiente e
estimular o aprendizado. "Paulo Freire dizia que a escola era o espaço da
alegria, do prazer, mas assim ela se torna o espaço do inferno", diz Miriam. O
projeto não vingou. Cristovam abandonou o barco por sentir que Educação não era
prioridade nos investimentos. E continua não sendo. Deveria ser nossa obsessão.
domingo, 24 de julho de 2011
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