por Paulinho Rosa
Muito se fala da poesia, do samba, das letras fantásticas e maravilhosas que costumamos encontrar em músicas
de Cartola, Noel Rosa, Ataulfo Alves, Paulinho da Viola, Paulo César Pinheiro e
tantos outros incríveis compositores. Isso para não falar de Chico Buarque,
porque aí qualquer comparação vira covardia.
Mas se o samba tem seus poetas, o forró não fica atrás. O que dizer de Zé
Dantas, Humberto Teixeira, Antonio Barros, João Silva, Petrucio Amorim, Dorgival
Dantas, Nando Cordel, Flavio Leandro e, até aqui, no nosso quintal, gente como
Janaína Pereira, Miltinho, Edilberto, Enok Virgulino, etc. Esqueci um monte de
nomes, mas é que tem muitos, com muita qualidade e com uma poesia peculiar, bem
cara de forró.
Resolvi expor aqui alguns exemplos do modo poético, típico do forró e de alguns
compositores, que usam frases, palavras e jeito bem próprios e as combinam de
uma forma que são pouco usuais aqui pelo sudeste, mas que se repararmos bem é de
uma verdade avassaladora e, se tentarmos procurar um modo diferente de dizer as
mesmas coisas, acho que seria difícil conseguir. Não sei se é por viver há muito
tempo no meio, mas sou apaixonado por algumas dessas frases e desse modo tão
nordestino de se dizer coisas de amor, segue aqui algumas delas:
"O coração deu um pinote dentro do meu peito".
Quem Souber Me Diga, de Accioly Neto
Quem nunca sentiu o coração disparar e pular quando viu de repente aquela pessoa
que tanto quer?
"Tô entregue, tô todo desmantelado por causa desse amor que você me ensinou".
Xote da Saudade, de Geraldinho Lins
Eita desmantelo brabo, nunca vi uma palavra tão bem colocada para explicar como
ficamos quando perdemos um grande amor.
"Quando o verde dos teus olhos se espalha na plantação eu te asseguro, não
chores não viu, que eu voltarei viu, meu coração".
Asa Branca, de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira
O hino do nordeste, que bem poderia ser do Brasil, deixa clara toda a poesia
entre amor e sofrimento do povo retirante nordestino.
"Quem é você pra derramar meu mungunzá?".
Tareco e Mariola, de Petrúcio Amorim
Isso mesmo, embora o objetivo do compositor não tenha sido inicialmente uma
música de amor, todo mundo a entende assim. E quem ela acha que é pra derramar
meu mungunzá? (mungunzá é a canjica do sudeste)
"E que a sorte continue me arrodiando".
O Tempo Vem, de Savilar
Quem não gostaria que a sorte ficasse sempre ali, por perto e no arrodeio?
"O coração do homem quando se apaixona é desmantelo, se percebe no olhar, perde
o Juízo, bebe água sem ter sede, perde o sono vai pra rede, se dorme garra a
sonhar".
Flor do Alecrim, de Enok Virgulino
Precisa falar algo?
"Não se admire se um dia um beija-flor invadir a porta da tua casa, te der um
beijo e partir, fui eu que mandei o beijo, que é pra matar meu desejo, faz tempo
que eu não te vejo, ai que saudade de ocê".
Ai Que Saudade Docê, de Vital Farias
Algum passarinho tá sem GPS
"Tem nada não, eu choro todo pranto que for pra chorar, eu pago todo preço que
for pra pagar, mas vou morrer dizendo que não te esqueci".
Fuxico, de Flavio Leandro
Vai morrer pobre, com a casa cheia d’água e sem a muié…
"Se tiver o pé de anjo, o cheiro de fruta, a pele macia, se for manhosa, fogosa,
carinhosa, umbigo redondo e fundo que é pra beber água fria".
Receita de Mulher, de Juraildes da Cruz
Nesse caso precisa sede pra beber água?
"O meu olhar vai dar uma festa amor, na hora que você chegar".
Espumas ao Vento, de Accioly Neto
Ôôô olho danado, quase sempre entrega nossos sentimentos, eita desgraça!
"Kalu, Kalu, Tira o verde desses óio de riba d’eu".
Kalu, de Humberto Teixeira
Se continuar olhando assim, com esses olhos, não respondo por mim…
"Oricuri madurou ô é sinal que arapuá já fez mel,catingueira fulôro lá no sertão
vai cair chuva granel…"
Ouricuri, de João do Vale
Que Climatempo que nada.
"A planta pede chuva quando quer brotar, o céu logo escurece quando vai chover,
meu coração só pede teu amor, se não me deres, posso até morrer".
Tenho Sede, de Dominguinhos e Anastacia
Água, amor… Será que é possivel escalonar o que é mais importante para vivermos?
Pra planta é água…
Teria muito mais exemplos, na verdade incontáveis, mas acho que já deu pra
conhecer um pouco desse jeito forrozeiro de fazer poesia. Agora, já pensou essas
frases cantadas em melodias lindas, por grandes intérpretes e você ali,
abraçado(a) aquela pessoa que tanto quer, sua boca colada ao cangote dela(e) e
bucho com bucho, tudo coladinho… Vem pro forró, tenho certeza que vai gostar!
* Xilogravuras de J. Borges, Edilson Oliveira e Severino Borges
Colunas, Forró em Pauta Paulinho Rosa Sobre o autor
Empresário e produtor cultural envolvido com forró desde 1991, apresenta em
parceria com o cantor Dominguinhos o programa de rádio "Vira e Mexe" (Rádio
USP-FM 93,7), voltado ao ritmo nordestino
sábado, 23 de julho de 2011
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Um comentário:
Por uma enorme coincidência, acabei de assistir um documentário sobre a obra de Humberto Teixeira, o "Dr. do Baião". elaborado pela sua filha, a atriz Denise Drumond. Uma bela obra. Com depoimentos de vários cantores, produtores e admiradores da grande música popular nordestina.
Eu recomendo. O título é: "O Homem que Engarrafava Nuvens.
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