domingo, 9 de janeiro de 2011

Medo de Médico

A técnica laboratorial Valéria Ranieri, 49, de São Paulo, desenvolveu o medo de ir ao médico quando ficou grávida

Nervosismo, insônia e sensação de paralisia são sintomas da fobia ; fugir do médico leva a diagnósticos tardios

MARIANA VERSOLATO
FOLHA DE SÃO PAULO

A paulista Vera Rodrigues-Rath, 56, diz se sentir transtornada quando vai a uma consulta médica.
A ansiedade aumenta na noite anterior. Ela tem que tomar remédios para conseguir dormir. Depois, passa por um "suplício inenarrável" na sala de espera.
A pensionista, que mora em Donauwörth, na Alemanha, há dez anos, conta que sua pressão caiu em uma das últimas visitas à ginecologista e que chora no dentista.
Vera até se recusou a fazer uma cirurgia recomendada pela médica. "Eu disse que assumia qualquer risco, mas não me sujeitava à operação. E não fiz. Sofro, mas me sinto melhor longe dos médicos."
Esse tipo de fobia não é comum, segundo Mariangela Gentil Savoia, psicóloga do ambulatório de ansiedade do HC de São Paulo.
"É normal ficar ansioso ou nervoso, mas não a um ponto que impeça a pessoa de ir ao médico. Aí vira transtorno."
Vera conta que o medo começou quando era criança. Ela já foi submetida a oito cirurgias -a primeira foi para corrigir o lábio leporino.
O professor universitário Anselmo Alencar Colares, 63, também desenvolveu seu medo de médicos cedo.
"Meu primo, quando era criança, tomou uma injeção que afetou um nervo. Associei o problema ao médico."
Ele diz que sempre pensa na possibilidade do erro.
"A gente tem que se entregar quando está numa emergência, mas dá medo colocar a sua vida nas mãos de outra pessoa, especialmente quando você não sabe se o médico é bem preparado."
A perda do único filho, morto em 2010 aos 13 anos, de leucemia, contribuiu para que o medo relacionado à área de saúde aumentasse.
Segundo Vladimir Bernik, coordenador de psiquiatria do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, um dos motivos que leva alguém a evitar o consultório é o temor de descobrir uma doença grave.
É por isso que muitos só procuram um médico quando os sintomas já apareceram. Bernik afirma que a "fuga" do consultório pode levar a diagnósticos tardios, reduzindo as chances de cura.
Já no caso do medo de dentista, o receio está ligado aos procedimentos de antigamente, de acordo com Rodrigo Bueno de Moraes, cirurgião dentista, da Associação Brasileira de Odontologia.
Tanto que a odontofobia é mais comum entre os adultos de meia-idade.
Hoje há mais recursos para os que chegam tensos ao consultório, como sedação e até cadeiras massageadoras.
Alguns profissionais usam musicoterapia, hipnose e analgesia inalatória, com óxido nitroso e oxigênio, para tranquilizar.
A técnica laboratorial Valéria Ranieri, 49, conta que sente medo de dentista desde que se conhece por gente.
Como só marcava uma consulta em último caso, teve que arrancar dentes e fazer 16 canais.
Quando ficou grávida, desenvolveu o medo de médico. "Era um medo que me congelava. Não ia ao médico nem me cuidava."
Terapia e treinos de relaxamento podem ajudar quem tem a fobia, segundo a psicóloga Mariangela Savoia.
"Se for medo da doença, podemos trabalhar estratégias de enfrentamento."
Ironicamente, Valéria conseguiu um emprego num hospital. A coincidência a ajudou a vencer seu medo.
"No começo, ficava apavorada, mas foi terapêutico."

ESPANTA PACIENTE
Algumas especialidades geram mais tensão. O proctologista Gilberto Saute admite que a sua é uma das temidas.
"A região anal sempre foi um tabu. As pessoas deixam o problema avançar com medo do exame."
Foi para desmistificar o assunto que lançou o livro "Quem (Não) Tem Medo do Proctologista?", com informações sobre testes e diagnósticos, para que as pessoas não fujam do consultório.
Para Paulo Rodrigues, urologista do Hospital 9 de Julho, o medo do câncer também provoca esse temor. "Há familiares que me ligam antes da consulta e pedem para eu não usar a palavra câncer com o paciente."

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