domingo, 23 de agosto de 2009

Duas cidades fantasma




Eu sempre tinha um pensamento parecido mas não encontrava com facilidade nada na imprensa que confirmasse essa ideia. Taí um relato que retrata muito bem essa situação




A crise está no mundo inteiro, você sabe. Mas tem lugares em que ela é pior. Bem pior. Leio duas matérias, em duas revistas, sobre duas cidades – duas cidades absurdas, dois desvairios erguidos sobre a areia, duas das cidades mais insustentáveis do mundo. Na Time desta semana, um texto delicioso do sempre divertido Joel Stein sobre Las Vegas. Na Fast Company deste mês, um ensaio fotográfico chocante sobre Dubai. Dubai e Las Vegas, dois oásis de sonho inconsequente no meio do deserto. Dois símbolos de tudo que estava errado no mundo. Duas cidades moribundas.
Vegas e Dubai não produzem nada – nada, nada, nada – mas viram suas economias bombar nos últimos anos. Em Vegas, que é incapaz de produzir sua energia e fica longe de qualquer fonte de água, há um raio laser que chega até a Lua e um espetáculo de fontes dançantes. Dubai importa até areia – para dar conta do ritmo das construções. Ao longo das últimas décadas, o desvairio de Vegas gerou réplicas de Nova York, Veneza, Paris, Antigo Egito, Império Romano. Dubai, mais recente e tecnológica, fez Vegas parecer um playground de prédio. Lá se projetou o prédio mais alto do mundo, uma pista de esqui com neve artificial, réplicas em tamanho natural das sete maravilhas do mundo, o maior shopping center do planeta. E um arquipélago artificial de 300 ilhas com a forma dos continentes e uns 800 quilômetros de costa, para todo mundo poder ter casa na praia.
As duas reportagens são deprimentes na descrição do que aconteceu lá depois do derretimento do sistema financeiro. As duas cidades estavam crescendo que nem loucas – mas era um crescimento ilusório, a especulação imobilária gerava grana que alimentava mais especulação imobiliária. Agora a impressão que dá é que houve uma guerra.
Dubai está cheia de prédios não terminados e guindastes sem uso – um quarto de todos os guindastes do mundo está lá. Em Vegas, há bairros em que uma a cada três casas está à venda. Em Dubai, há carrões de luxo abandonados pelas ruas, às vezes com a chave no contato e a conta impagável do cartão de crédito no porta-luva – o dono fugiu para escapar da cadeia. Em Vegas, há casarões abandonados e depredados pelos ex-proprietários incapazes de pagar as prestações e revoltados com isso – alguns não têm nem mais a fiação elétrica, porque tudo que pode valer algum dinheiro foi saqueado. Em Dubai, imigrantes pobres sem emprego tiveram seu visto cassado e estão presos no país. Em Vegas, corretores de imóveis se especializaram em dar golpes em bancos: pegam uma família incapaz de pagar as prestações, vendem a casa deles antes da desapropriação e, com o dinheiro, compram uma casa maior. Em Dubai, cocô começa a se acumular: em meio ao desvairio, as mansões ficaram prontas antes do sistema de esgoto.
Na matéria da Time, tem um personagem símbolo: Sheldon Adelson, 76 anos, o homem que inventou Las Vegas como a capital mundial das convenções e que bancou muito da explosão de Dubai. Em 2007 e 2008, ele era o terceiro homem mais rico do mundo, dono de 40 bilhões de dólares. Sozinho, ele perdeu 36,5 destes bilhões, mais do que um Uruguai inteiro. Ele é o homem que mais perdeu dinheiro com a crise. Seu telefone vivia tocando – eram bancos oferecendo empréstimos. Hoje, banco nenhum empresta para ele, mesmo que ele implore. Joel Stein, o repórter, pergunta para ele se um dia ele vai querer pegar um empréstimo de novo. Ele responde na lata:
- Assim que eles voltarem a me emprestar, sou o primeiro da fila.
Tem gente que não aprende.
(A foto é minha, parte de um ensaio fotográfico que fiz em Las Vegas em 2007, procurando mostrar como, por trás da alegria falsa de lá, se esconde uma das cidades mais tristes do mundo.)
Por Denis Russo Burgierman - Revista VEJA

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