terça-feira, 19 de maio de 2009

De Fernando Pessoa



(...) Quantas vezes, sob o peso de um tédio que parece ser loucura, ou de uma angústia que parece passar além dela, paro, hesitante, antes que me revolte, hesito, parando, antes que me divinize.
Dor de não saber o que é o mistério do mundo, dor de nos não amarem, dor de serem injustos conosco, dor de pesar a vida sobre nós, sufocando e prendendo, dor de dentes, dor de sapatos apertados - quem pode dizer qual é a maior em si mesmo, quanto mais nos outros, ou na generalidade dos que existem? (...)
Escrevo isto sob a opressão de um tédio que parece não caber em mim, ou precisar de mais que da minha alma para ter onde estar; de uma opressão de todos e de tudo que me estrangula e desvaira; de um sentimento físico da incompreensão alheia que me perturba e esmaga.
Mas ergo a cabeça para o céu azul alheio, exponho a face ao vento inconscientemente fresco, baixo as pálpebras depois de ter visto, esqueço a face depois de ter sentido. Não fico melhor, mas fico diferente. Ver-me liberta-me de mim.
Quase sorrio, não porque me compreenda, mas porque, tendo-me tornado outro, me deixei de poder compreender. No alto do céu, como um nada visível, uma nuvem pequeníssima é um esquecimento branco do universo inteiro.
Fernando Pessoa sob pseudônimo de Bernardo Soares, em o Livro Do Desassossego.




Enviado por José Leite Mesquita, Fortaleza-Ce

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